O Descontentamento Consigo PróprioO caso é o mesmo em todos os vícios: quer seja o daqueles que são atormentados pela indolência e pelo tédio, sujeitos a contantes mudanças de humor, quer o daqueles a quem agrada sempre mais aquilo que deixaram para trás, ou dos que desistem e caem na indolência.
Acrescenta ainda aqueles que em nada diferem de alguém com um sono difícil, que se vira e revira à procura da posição certa, até que adormece de tão cansado que fica: mudando constantemente de forma de vida, permanecem naquela «novidade» até descobrirem não o ódio à mudança, mas a preguiça da velhice em relação à novidade.
Acrescenta ainda os que nunca mudam, não por constância, mas por inércia, e vivem não como desejam, mas como sempre viveram.
As características dos vícios são, pois, inumeráveis, mas o seu efeito apenas um: o descontentamento consigo próprio.
Este descontentamento tem a sua origem num desequilíbrio da alma e nas aspirações tímidas ou menos felizes, quando não ousamos tanto quanto desejávamos ou não conseguimos aquilo que pretendíamos, e ficamos apenas à espera.
É a inevitável condição dos indecisos, estarem sempre instáveis, sempre inquietos.
Tentam por todas as vias atingir aquilo que desejam, entregam se e sujeitam se a práticas desonestas e árduas, e, quando o seu trabalho não é recompensado, tortura os uma vergonha fútil, arrependendo se não de ter desejado coisas más, mas sim de as terem desejado em vão.
Eles ficam então com os remorsos de terem assumido essa conduta e com medo de voltarem a incorrer nela, a sua alma é assaltada por uma agitação para a qual não encontram saída, porque não conseguem controlar nem obedecer aos seus desejos, na hesitação de uma vida que pouco se desenvolve, a alma paralisada entre os desejos abandonados.
Tudo isto se torna ainda mais grave quando, com a repulsa do sofrimento passado, se refugiam no ócio ou nos estudos solitários, que uma alma educada para os assuntos públicos não consegue suportar, desejosa de agir, inquieta por natureza e incapaz de encontrar estímulos por si mesma.
Por isso, sem a distracção que as próprias ocupações representam para os que nelas andam, não suportam a casa, a solidão, as paredes; com angústia, vêem se entregues a eles mesmos.
Séneca, in 'Da Tranquilidade da Alma'Tema(s): Contentamento