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Demétrio Sena Magé RJ.

SÓ UM CONTO QUASE DE AMOR
Demétrio Sena, Magé RJ.
Durante anos e anos, em todos os reencontros ocasionados sempre por ele, depois de longos afastamentos, ela dizia que o amava.
Com todas as forças do seu ser.
Toda sua verdade.
Parecia mesmo que ela o amava, pela comoção demonstrada; os abraços desmedidos; a multiplicação das mãos; os beijos que não escolhiam quais partes do corpo.
Eles eram amigos íntimos; muito íntimos.
Deitavam juntos inteiramente nus; se acariciavam sem fazer sexo; frequentavam campos, recantos e cachoeiras desertas, onde mais pareciam no jardim do Éden.
Trocavam juras de amizade perpétua, sempre assim: sem permitirem que um romance pusesse tudo a perder.
Que as nominatas e os arremates físicos os tornassem proibidos, porque ambos já tinham em separado, perante a sociedade, nominatas formais incompatíveis com quaisquer outras.
Um dia, ela não reconheceu sua voz numa ligação telefônica.
E quando ele se anunciou, disse que lá não havia ninguém com aquele nome; portanto, era engano.
Certo de que o engano era seu, e de muitos anos, o velho amigo desligou o aparelho e seguiu sem fazer queixumes.
Bem vivido, com uma larga experiência de mundo e formado em seres humanos pela escola do tempo, aquele homem sobreviveu ao baque.
Não a culpou e compreendeu que a grande amiga se rendera finalmente às nominatas, mesmo sem os arremates.
Fora convertida pela sociedade sempre correta, imaculada, religiosa e defensora de nomes.

AMIZADES EROTIZADAS
Demétrio Sena, Magé RJ.
Amizades entre gêneros opostos têm sempre um quê de sensualidade.
É um quê que na maioria das vezes não avança, porque a natureza da relação já se arraigou tanto, a ponto de não caber outro contexto.
Se o contexto de amizade for violado, logo depois não haverá mais nada.
Amizade, amor nem paixão.
Talvez rancor, pela consciência da perda causada com a troca de relacionamento.
Às vezes, pela forçação infrutífera de um dos lados.
Isto equivale a dizer que amizade é eterna.
Relação amorosa, especificamente, não.
Por isso, trocar aquela por esta pode ser o que chamam comprar gato por lebre.
Mas algumas relações desta natureza crescem tanto e ficam tão profundas, mesmo não se tornando paixão nem amor, considerando o sentido específico da palavra, que não dá para mantê las, cruamente, no exato nível das grandes amizades.
Tampouco para transformá las em romances.
Quando isso ocorre, a única saída é deixar a natureza cumprir o seu papel improvisador, e não fugir da erotização do laço.
Inicia se, nesse patamar, o que há tempos classifico de amizade erotizada.
Muito mais do que íntimas, as amizades erotizadas têm o poder de preservar o que já existe, sem que nenhum sentimento seja confundido nem haja traição, considerando que, na maioria das vezes, ambos ou pelo menos um dos lados já vive uma relação especificamente amorosa.
Um compromisso.
Nas amizades erotizadas, a fantasia é permitida em palavras afetuosas, gestos e afagos um pouco mais apimentados e até exposições incomuns; porém, sem a relação sexual; o beijo apaixonado; o compromisso e o sentimento de posse que posteriormente poriam tudo a perder com cismas, cobranças, ciúmes, e o rompimento definitivo.
Terminal de sentimentos irremediavelmente negativos.
Por isso nunca transforme em romance uma grande amizade.
Quase nunca dá certo.
O quase é para não me chamarem de radical.
Prefira erotizar o relacionamento, para não correr o risco de perder, de uma vez por todas, uma pessoa especial em sua vida.
O romance durável costuma ser aquele que já nasce romance ou se torna paixão, amor futuramente conjugal, sem passar pela grande amizade.
Se você conhece casos que deram certo, em definitivo, fora desse contexto, esteja certo: conhece as exceções disponíveis à sua volta.

QUANDO AS RELAÇÕES VIRAM JOGOS
Demétrio Sena, Magé RJ.
Sejam parcerias vitais, amizades, amores, não importa Nas minhas relações em qualquer um desses campos, valorizo criteriosamente o começo, pelo qual antevejo dias futuros E toda vez que o início de uma dessas relações assume características próprias de jogo, deixo a mesa de negociações afetivas que se desenha, sem sequer olhar para o lado.
É claro que sempre dou a segunda chance, mas apenas a segunda, porque sou do tipo que aprecia estar com a razão.
Faço questão da consciência de que me fiz de tolo, para que os espertos que cruzam meu caminho se atrapalhem consigo mesmos e não tenham qualquer chance de argumentar contra o meu silêncio.
Os minutos eternos de silêncio que lhes dedico em respeito ao nada que doravante representarão para mim.
Quem joga com relações tem um vício exacerbado e sempre perde para si próprio, viciando a qualquer incauto que se aproxime, caso não perceba em tempo a cilada em que poderá cair.
Faço me de tolo, mas não sou.
Sei entrar e sair na hora exata.
Se jamais apostei dinheiro nos jogos lotéricos oficiais, nos cassinos, bingos e bancas de bicho, por que razão apostaria um milésimo de minha boa fé, uma fagulha do meu afeto em pessoas que se tornaram máquinas de apostas Pessoas viciadas em viciar, numa tentativa contínua e vã de se auto afirmarem diante do espelho e do mundo que as cerca Sinto muito; mas quem queira se aproximar de mim, verifique primeiro se não corresponde ao retrato que acabo de pintar E se acaso corresponder, procure um profissional; faça um bom tratamento e só depois me procure.

NO TRABALHO, NA FAMÍLIA E NO MUNDO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Garanta para si mesmo, a começar pelo próximo, aquele ambiente de trabalho capaz de proporcionar equilíbrio e tranquilidade.
Facilite o que pode para quem traz resultados materiais, mas também facilite para quem não traz quer somente um favor; uma gentileza.
Simplifique os acessos e serviços, as informações, e não desconte frustrações nem revoltas nas horas erradas; nas pessoas erradas.
Tenha boa vontade com quem não tem culpa.
Sem essa do estritamente profissional.
Cabe sempre um toque de humanidade, mesmo que por uma razão somente sua não haja como expor os dentes.
Um olhar suave, uma voz serena e um semblante ameno, ao mesmo tempo dispostos, substituem bem o sorriso.
Fazem bem ao outro, que poderá ser um multiplicador desse bem, numa roda viva que o envolverá tarde ou cedo, de alguma forma o envolverá.
Aos seus olhos não existam feio e bonito; rico e pobre; santo e profano; cara disso e daquilo.
Se alguém há de comprar ou não, pagar ou receber, fazer orçamento, reclamar ou trocar, não importa.
Trate o como a pessoa importante que de fato é.
Quanto aos colegas, nunca os prejudique para supostamente se dar bem.
Não seja capaz de tudo pela promoção.
As pessoas mais importantes numa empresa são aquelas que fora dela vivem realidades iguais à sua, com as devidas variações em cada camada social.
Patrões não gostam de funcionários bajuladores, antiéticos e servis.
Eles usam esses funcionários quando lhes convém, quando precisam deles como delatores, porém os desprezam.
Às vezes dão alguma promoção ilusória, mas nem de longe cogitam elevá los muito, pois não querem ao seu lado pessoas dissimuladas; que farão com eles o que fazem com os atuais colegas de trabalho.
O verbo mágico é facilitar.
Contribuir para uma sociedade melhor.
Facilite sem cometer desvios éticos, de caráter, a fluência do que pode ser fluente.
O acesso e o trânsito a quem precisa e tem direito.
O andamento das atribuições de todos na empresa; na família; no clube; nas filas; na igreja Faça o mundo girar com mais leveza.
Torne a vida mais agradável.
Gente não é gente, se não for gentil.

UM (DES)CONTO DE NATAL
Demétrio Sena, Magé RJ.
O espírito de natal o assombra, desde o fim do mês de outubro; no máximo, início de novembro a cada ano.
Tudo parece arrastar correntes no sótão de sua consciência dos rancores pessoais, na intenção de avisá lo: Vem aí o natal; vem aí o fim do ano; e nessa leva, o sorriso de quem lhe faz caretas o ano inteiro.
O abraço de quem deseja enforcá lo.
A mão boba que busca sua mão, quando quer mesmo comprimir sua jugular.
Discursos e mais discursos.
Felicitações e convites.
Virtudes à flor da pele dos outros, que lhe fazem ver o quanto ele é desgraçadamente humano, em contraste ou comparação com a divindade global.
Para tais pessoas, o máximo que ele consegue é liberar o seu idem; seu também.
Seu obrigado; igualmente.
Aí o mundo à sua volta confirma, orgulhosamente, o que sempre diz a seu respeito.
De sua intransigência, sua esturrice, o seu exagero e a triste ausência desse Deus Anual em sua vida do poder natalino que lhe falta para perdoar quem a partir do dia dois de janeiro se mostrará novamente seu desafeto.
É claro que os desafetos não são maioria.
E é claro que nem sempre se joga fora uma goiaba inteira por causa de uns três ou quatro bichinhos, mas isso é bem indigesto.
E no caso da goiaba, existe a opção de cortar a fruta e jogar fora o pedaço bichado, como não se pode fazer com os grupos em ajuntamentos obrigatórios nas datas cristãs.
Sendo assim, ele não vê como separar as pessoas a quem ama e pelas quais é amado – filhos, esposa, irmãos, algumas cunhadas e amigos queridos –, e determinar que o resto seja lançado em um “lago de fogo ardente”, para se entender com o diabo e seus anjos.
No fim das contas, mete a cara nas rabanadas – que adora –, come nozes e avelãs, beberica uns refrigerantes e tenta não expor demais os traços constrangedoramente sinceros os dentes que mordem o sorriso amarelo à prova de sabão em pó.
Aqueles olhos pontudos e cortantes que ele não consegue disfarçar, mesmo sabedor de que não precisa – nem deve, pelos menos no fim do ano –, ser transparente a tal ponto.
Mas tudo bem.
Natal e ano novo são apenas uma vez por ano.
Neste momento, sua preocupação antecipada é a de não magoar as pessoas queridas.
Logo ele poderá ser livremente carinhoso e solícito com os seus afetos e fechado, indiferente ou duro com os desafetos, em suas devidas proporções.
Até lá, terá mesmo de conviver com as assombrações formais do espírito de natal, no sótão da solidão de sua transparência.