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Demétrio Sena Magé RJ.

UM (DES)CONTO DE NATAL
Demétrio Sena, Magé RJ.
O espírito de natal o assombra, desde o fim do mês de outubro; no máximo, início de novembro a cada ano.
Tudo parece arrastar correntes no sótão de sua consciência dos rancores pessoais, na intenção de avisá lo: Vem aí o natal; vem aí o fim do ano; e nessa leva, o sorriso de quem lhe faz caretas o ano inteiro.
O abraço de quem deseja enforcá lo.
A mão boba que busca sua mão, quando quer mesmo comprimir sua jugular.
Discursos e mais discursos.
Felicitações e convites.
Virtudes à flor da pele dos outros, que lhe fazem ver o quanto ele é desgraçadamente humano, em contraste ou comparação com a divindade global.
Para tais pessoas, o máximo que ele consegue é liberar o seu idem; seu também.
Seu obrigado; igualmente.
Aí o mundo à sua volta confirma, orgulhosamente, o que sempre diz a seu respeito.
De sua intransigência, sua esturrice, o seu exagero e a triste ausência desse Deus Anual em sua vida do poder natalino que lhe falta para perdoar quem a partir do dia dois de janeiro se mostrará novamente seu desafeto.
É claro que os desafetos não são maioria.
E é claro que nem sempre se joga fora uma goiaba inteira por causa de uns três ou quatro bichinhos, mas isso é bem indigesto.
E no caso da goiaba, existe a opção de cortar a fruta e jogar fora o pedaço bichado, como não se pode fazer com os grupos em ajuntamentos obrigatórios nas datas cristãs.
Sendo assim, ele não vê como separar as pessoas a quem ama e pelas quais é amado – filhos, esposa, irmãos, algumas cunhadas e amigos queridos –, e determinar que o resto seja lançado em um “lago de fogo ardente”, para se entender com o diabo e seus anjos.
No fim das contas, mete a cara nas rabanadas – que adora –, come nozes e avelãs, beberica uns refrigerantes e tenta não expor demais os traços constrangedoramente sinceros os dentes que mordem o sorriso amarelo à prova de sabão em pó.
Aqueles olhos pontudos e cortantes que ele não consegue disfarçar, mesmo sabedor de que não precisa – nem deve, pelos menos no fim do ano –, ser transparente a tal ponto.
Mas tudo bem.
Natal e ano novo são apenas uma vez por ano.
Neste momento, sua preocupação antecipada é a de não magoar as pessoas queridas.
Logo ele poderá ser livremente carinhoso e solícito com os seus afetos e fechado, indiferente ou duro com os desafetos, em suas devidas proporções.
Até lá, terá mesmo de conviver com as assombrações formais do espírito de natal, no sótão da solidão de sua transparência.

AO PROFESSOR QUE NASCEU PARA SER PROFESSOR
Agradeço todos os dias ao destino, pela graça de ser educador.
Arte educador.
Inserir me nesse contexto como profissão me fez mais do que um profissional: alguém que se reconhece como quem nasceu para isso.
Tenho, evidentemente, minhas angústias relacionadas a proventos, condições ideais de trabalho e as grandes dificuldades externas que acompanham nossos alunos até os espaços formais de aulas, oficinas e projetos educativos, tanto no conceito pedagógico, especificamente, quanto nos conceitos da arte e da cidadania.
Sou um professor que não dá nota.
Que pode mudar, todos os dias, as estratégias para vender suas ideias e seduzir os alunos.
Atraí los para contextos mais prazerosos do que a obrigação de alcançar notas e pontos para passar de ano.
Às vezes, adulá los.
Talvez por isso, eu não tenha nem condições de alcançar a grandeza dos esforços diários dos professores em disciplinas obrigatórias, que têm a dura missão de preparar pessoas para o mercado de trabalho.
Para disputas mercadológicas e a sobrevivência em uma sociedade competitiva e cruel, devido à falta de espaço confortável para conquistas.
Não tenho a mínima condição de avaliar precisamente a realidade total das salas de aula, mas sempre que vejo um professor de pelo menos alguns anos de profissão, admiro o profundamente por ter atravessado esses anos, diante do que vejo.
São muitos e muitos os professores que portam condições plenas de abraçar profissões muito mais rentáveis, e o fariam competentemente, mas não fogem do que escolheram, porque seriam somente profissionais.
E como nasceram para ser professores, não seriam felizes se não fossem profissionais e seres humanos, como tem que ser, mais do que ninguém, quem nasceu para ser professor.
Reitero, portanto, meu profundo respeito e minha admiração aos que trabalham com amor e sofrimento; com revolta e dedicação; com sorrisos muitas vezes salobros, porque se misturam ao pranto, mas logo se sobressaem, porque o amor ao que fazem tem sempre reserva de otimismo.
Ao mesmo tempo, meu desprezo profundo e a não admiração aos patrões da educação tanto particular quanto pública e aos cidadãos de má vontade responsáveis pelo sofrimento, a revolta e as lágrimas do professor que nasceu para ser professor.