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Miguel Esteves Cardoso

O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação.
Relações temos nós com toda a gente.
É uma criação.
É criado por duas pessoas que se amam.
O nosso casamento é um filho.
É um filho inteiramente dependente de nós.
Se nós nos separarmos, ele morre.
Mas não deixa de ser uma terceira entidade.
Quando esse filho é amado por ambos os casados que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo , o casamento é feliz.
Não basta que os casados se amem um ao outro.
Têm também de amar o casamento que criaram.
O nosso casamento é uma cultura secreta de hábitos, métodos e sistemas de comunicação.
Todos foram criados do zero, a partir do material do eu e do tu originais.
O casamento é um filho carente que dá mais prazer do que trabalho.
Dá se de comer ao bebé mas, felizmente, o organismo do bebé é que faz o trabalho dificílimo, embora automático, de converter essa comida em saúde e crescimento.
Também o casamento precisa de ser alimentado mas faz sozinho o aproveitamento do que lhe damos.
Às vezes adoece e tem de ser tratado com cuidados especiais.
Às vezes os casamentos têm de ir às urgências.
Mas quanto mais crescem, menos emergências há e melhor sabemos lidar com elas.
Os pais felizes reconhecem o trabalho que os filhos dão mas, regra geral, acham que vale a pena.
Isto é, que ficaram a ganhar, por muito que tenham perdido.
O que recebem do filho compensa o que lhe deram.
E mais: também pensam que fizeram bem ao filho.
Sacrificam se mas sentem se recompensados.
Num casamento feliz, cada um pensa que tem mais a perder do que o outro, caso o casamento desapareça.
Sente que, se isso acontecer, fica sem nada.
É do amor.
Só perdeu o casamento deles, que eles criaram, mas sente que perdeu tudo: ela, o casamento deles e ele próprio, por já não se reconhecer sozinho, por já não saber quem é ou querer estar com essa pessoa que ele é.
Vendo bem, os casamentos felizes são muito mais dramáticos, violentos, divertidos e surpreendentes do que os infelizes.
Nos casamentos infelizes é que pode haver, mantidas inteligentemente as distâncias, paz e sossego no lar.

Quando se é novo é sempre a somar.
Somam se amigos, emoções, experiências, livros, canudos, lugares, responsabilidades, preocupações e ambições, vícios e prazeres que não viciam.
Até cada ano de vida que se viveu é celebrado como se fosse uma proeza.
É triunfalmente que se chega aos 6, 10, 14, 18 ou 22 anos.
E com razão.
Ainda consigo lembrar me que eram obra.
Depois, não sei a que idade (é aquela em que nos deixamos de importar tanto com as coisas, daí nunca darmos por ela), começamos a compreender a alegria e a liberdade de subtrair coisas e pessoas que só nos pesam, roubando nos tempo, paciência e a calma necessária para sobrevivermos e que se vão tornando, monstruosa e deliciosamente, cada vez maiores.
O tempo de subtrair é cruel e frio e imensamente libertador.
Dá vida aos últimos anos de vida que temos.
Sim, porque a vida acaba.
A morte acontece e, irritantemente, dura para sempre.
Há quem diga que é como o tempo antes de nascermos (até um gênio como Samuel Beckett caiu neste pensamento impreciso) mas não é.
O tempo depois de morrermos é sempre pior do que o tempo antes de nascermos.
Ninguém sobrevive.
Nascemos, vivemos e morremos.
Sobreviver é tão estúpido como anteviver.
A grande diferença entre estar perto da nascença e estar perto da morte é que a proximidade da morte é necessária e suficientemente melhor conselheira.
Antes de morrermos convém nos despirmos até estarmos nus; só com os nossos verdadeiros amores.
Miguel Esteves Cardoso