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Marisa Martins

Traidoras
Elas voltaram.
Ou talvez sempre tenham estado aqui, e eu fingisse que não as sentia.
Talvez me tenha acostumado à sua presença e tenha passado os últimos tempos sem lhes dar grande importância.
Aprendi a finta las.
Deixei as estar como que adormecidas.
Descobri como as manter enfraquecidas como que anestesiadas.
Como se não estivessem aqui.
Por momentos acreditei que finalmente pararam de me atormentar.
Deixei de sentir aquele odor constante e teimoso que se entranha no corpo e nos oferece sofrimento.
Por instantes acreditei que se tinham ido, que se perderam por aí num outro corpo qualquer e esqueceram o caminho de volta.
Mas fui fintada.
Fintada por elas.
Eu, que outrora me julguei protagonista da finta perfeita.
E hoje lá estão elas acordadas, despertas e dispostas a corroer mais um pouco de mim.
Não sei ao certo se elas escolhem o momento para se declararem habitantes de mim própria, se me apanham fraquezas ou se sabem quando estou mais vulnerável a elas.
Sim elas vivem em mim, e hoje devem sentir se com um poder qualquer sobre a minha pessoa porque não me largam.
Mas eu não as quero.
Não quero.
Não as pedi.
Não fui eu quem as acordou.
E se acordaram por si só, não quis em nenhum momento alimenta las.
Estão aqui, mas não as quero.
Tapo os olhos para não as ver.
Não as quero.
São intrusas.
Traidoras.
Quiseram lá saber da minha vontade.
Como se estivessem este tempo todo à espreita.
Como se soubessem que mais tarde ou mais cedo seriam rainhas no meu aglomerado de emoções.
Traidoras.
Passeiam se astuciosamente cá por dentro como se eu lhes pertencesse.
São devastadoras.
Parece que voltam sempre mais fortes depois de permanecerem muito tempo escondidas.
E aqui estão elas a vandalizar a minha alma de tal forma, que não sei se quem escreve este pequeno desabafo sou eu ou se são elas.
Elas as saudades.

Uma estranha ofuscação dos sentidos.
O arrepio instantâneo e abrupto.
Na minha cabeça ecoam determinadas vozes.
Conversas entoadas.
Conversas em tom de segredo.
Sorrisos naturais.
Vidas cruzadas.
Olhares penetrantes.
Uma dança envolvente.
Júbilos contagiantes.
Vidas partilhadas.
Escárnios de bem dizer.
Beijos.
Aqueles beijos.
E um rosto com traços de menino a ser mimado pelas minhas mãos.
Novamente vozes.
Não sei ao certo o que elas me dizem.
Sei que me murmuram palavras múltiplas, e me sabem aqui a escuta las.
Sim, porque não é pelo facto de ter optado fechar os olhos a este sentir, que deixei de querer ouvir o que tem para me dizer.
Ouço em silêncio.
O mesmo silêncio da ausência e das diferenças sombrias.
Ausências forçadas ou não.
Diferenças relevantes ou não.
Fico aqui, dada ao silêncio comum dos pensamentos confusos.
Quero estar sozinha.
Agora e sempre que assim o desejar.
Talvez uma certa solidão possa dar me respostas.
O que eu não quero é ficar à espera.
Tu sabes Inês, que eu nem sequer sei esperar.
Deixa me dizer te também, que não espero algo concreto deste meu sentir, porque se assim fosse, o mesmo já teria avançado para um estado chamado desespero emocional.
E isso, muito obrigada, mas eu não quero.
Prefiro a vibração, o calafrio, a excitação, do que voltar a ter medo dos meus sentimentos.
Talvez o tempo me mostre na devida altura o seu significado.
Talvez o tempo me ajude a encontrar a definição para este meu sentir.
Por enquanto mantém se assim misterioso e indecifrável.
É assim que eu o quero e por hoje é assim que vai ficar
de olhos fechados e em silêncio.
Misterioso e indecifrável.

Todos nós sabemos atacar, agredir ou descompor alguém.
Ao contrário do que se possa dizer, não acho que isso se faça por divertimento ou malvadez, mas antes por necessidade ou defesa.
São diversas e variadas as etapas da vida em que somos coagidos e quase forçados a atacar como forma de defesa.
Combatemos com sentimentos, assaltamos olhares, investimos numa capa de protecção para que não sejamos destruídos com os múltiplos ataques, e é precisamente nesse estado de defesa que nos sentimos totalmente aptos a atacar e a descompor pessoas.
Como é que se descompõe uma pessoa Depende.
Mas há muitas formas de o fazer.
Algumas são descompostas com frieza.
Depois há aquelas que vamos descompondo lentamente, sem que as mesmas se apercebam, vamos ceifando os gestos, e atacamos com o vírus mais eficaz, o desprezo.
Quando falei em necessidade de o fazer, é porque admito que muitas vezes tenhamos que derrubar antes que nos derrubem a nós, desmoronar antes que o nosso mundo seja desmoronado.
As pessoas têm muito que se lhe diga.
E se muitas atacam olhos nos olhos, outras apenas o sabem fazer pelas costas, quase sorrateiramente, utilizando um vírus chamado falsidade.
Para mim essas pessoas não passam disso mesmo, uma fraude.
Daí preferir o vírus da indiferença e do desprezo.
As pessoas têm muito que se lhe diga.
Algumas são autênticas cobras humanas, que quando se sentem ameaçadas ou intimidadas têm o deplorável costume de lançar jactos de veneno nos olhos de quem ambicionam atingir.
O que as ditas se esquecem é que o seu veneno de tão utilizado contra os outros, nós os outros acabamos por nos vacinar contra ele e torna se completamente impossível sermos atingidos.
E também se esquecem, que não é preciso ser se uma cobra humana para saber como se ataca, agride ou descompõe alguém.

A inconsciência é muitas vezes a principal causadora de determinados estados de loucura.
Julgo que este pensamento seja comum a muitas pessoas.
O pensamento de que são muitas as vezes que atingimos um estado de insanidade por culpa da nossa inconsciência.
A inconsciência, ou a cegueira.
Depende de como gostamos mais de chamar lhe.
O ténue e maçador esforço de correr ao encontro do que ainda está para vir, sem tão pouco perscrutar memórias e reminiscências.
Não sei ao certo o porquê da invasão destes pensamentos no meu cérebro.
Ou talvez saiba.
Talvez porque me vejo rompida e rasgada pela minha própria vida.
Tanto que me apetece renunciar a certos pontos.
Apetece me.
Mas não o faço.
Em vez disso mantenho os meus sentidos aguçados, na expectativa de assim descobrir um outro ponto de partida, e desse modo anular episódios que me perturbam.
Apagar os passos dados em falso, aqueles que me levaram num sentido que hoje está a parecer me errado.
Só que as memórias não se riscam, como se risca algum apontamento que não está bem definido.
As minhas memórias não pelo menos não no seu todo.
Então hoje remanescem as piores representações, os instantes de dúvida, a tortura de certos sentimentos.
As tais imagens que gostava de extinguir por instantes, mas não sou capaz.
É geralmente neste ponto, em que a minha consciência se torna imoderadamente real para ser suportável, que me desmancho em alucinantes e impetuosas habilidades a fim de desviar essas imagens da minha vista.
E também é comum nestes momentos fechar os olhos e preferir deixar de ver.
E é igualmente aí que os meus actos e gestos perdem parte do sentido.
Se é que alguma vez o tiveram.
Claro está que falo em acções específicas, que na verdade não me apetece especificar.
Apeteceu me apenas partilhar convosco estes meus pensamentos.
E talvez um de vocês, mesmo sem as ditas especificações consiga perceber o que realmente tentei dizer aqui nesta minha curta e confusa dissertação.