Traidoras
Elas voltaram.
Ou talvez sempre tenham estado aqui, e eu fingisse que não as sentia.
Talvez me tenha acostumado à sua presença e tenha passado os últimos tempos sem lhes dar grande importância.
Aprendi a finta las.
Deixei as estar como que adormecidas.
Descobri como as manter enfraquecidas como que anestesiadas.
Como se não estivessem aqui.
Por momentos acreditei que finalmente pararam de me atormentar.
Deixei de sentir aquele odor constante e teimoso que se entranha no corpo e nos oferece sofrimento.
Por instantes acreditei que se tinham ido, que se perderam por aí num outro corpo qualquer e esqueceram o caminho de volta.
Mas fui fintada.
Fintada por elas.
Eu, que outrora me julguei protagonista da finta perfeita.
E hoje lá estão elas acordadas, despertas e dispostas a corroer mais um pouco de mim.
Não sei ao certo se elas escolhem o momento para se declararem habitantes de mim própria, se me apanham fraquezas ou se sabem quando estou mais vulnerável a elas.
Sim elas vivem em mim, e hoje devem sentir se com um poder qualquer sobre a minha pessoa porque não me largam.
Mas eu não as quero.
Não quero.
Não as pedi.
Não fui eu quem as acordou.
E se acordaram por si só, não quis em nenhum momento alimenta las.
Estão aqui, mas não as quero.
Tapo os olhos para não as ver.
Não as quero.
São intrusas.
Traidoras.
Quiseram lá saber da minha vontade.
Como se estivessem este tempo todo à espreita.
Como se soubessem que mais tarde ou mais cedo seriam rainhas no meu aglomerado de emoções.
Traidoras.
Passeiam se astuciosamente cá por dentro como se eu lhes pertencesse.
São devastadoras.
Parece que voltam sempre mais fortes depois de permanecerem muito tempo escondidas.
E aqui estão elas a vandalizar a minha alma de tal forma, que não sei se quem escreve este pequeno desabafo sou eu ou se são elas.
Elas as saudades.