A descendência de Cervantes
Professor.
Uma palavra de traduções diversas que encerra significados tão numerosos quanto belos.
Um termo apropriado àqueles que acreditam na grandiosidade da doação, do altruísmo e da capacidade de despertar outros seres humanos para a aventura ímpar do aprendizado e da transcendência.
Neste dia 15 de outubro, é importante refletir sobre esse profissional, que dedica sua vida à propagação de saberes.
Saberes que possibilitam aos aprendizes ultrapassar fronteiras, superar obstáculos e articular estratégias que os conduzem em direção à realização de seus sonhos.
Cheios de uma poesia própria, ousam desafiar o renomado poeta Vinícius de Moraes, na medida em que vivem e preconizam um amor imortal posto que não é chama, contrariando o famoso verso do "Soneto da Fidelidade".
Quantos milhões de professores terão o Brasil e o mundo O que seria da sociedade sem a participação efetiva e compromissada desses homens e mulheres Educadores que, todos os dias, somam, multiplicam e dividem tudo o que têm de mais precioso com centenas de crianças e jovens.
Discípulos que assimilam, às vezes sem se dar conta, a essência do verbo compartilhar.
Nas salas de aula do mundo, mestres e aprendizes ensaiam um balé sincrônico e ritmado, embalados pela musicalidade do amor, do conhecimento, do afeto, do respeito, dos sorrisos e dos olhares de confiança mútua.
Educandos devem nutrir por seus professores um sentimento de admiração que inspire o respeito.
Nessa relação, não deve haver lugar para o autoritarismo e para o medo, coreografias incompatíveis com o espetáculo majestoso da vida.
Educadores Como recompensá los por tudo que nos proporcionam Como agradecer lhes da forma que merecem E, principalmente: como retribuir sua força e seu exemplo seguro e altivo nos momentos em que fraquejamos e pensamos em desistir de tudo Como resgatar sua auto estima, cada vez mais abalada por este mundo que privilegia os bens materiais em detrimento de valores como a ética, a fraternidade, a justiça e o amor ao próximo Como devolver aos professores o seu lugar de destaque na sociedade Sejamos sinceros: não temos todas as respostas e nem tampouco pretendemos posar de donos da verdade, mas esta homenagem tem o intuito de propiciar aos leitores uma reflexão sobre essas pessoas iluminadas que nos presentearam com as condições para obter o alimento do corpo e do espírito.
Uma reflexão sobre os nossos mestres e o papel imprescindível que desempenham em nossas vidas.
Seres raros que vivem sob os signos diversos, mas complementares, da paixão e da razão.
Exemplos de vida que nos transmitem lições essenciais à construção de nossas histórias.
É esse o perfil da grande maioria dos educadores crianças crescidas que, tal qual Peter Pan, se recusam a deixar de sonhar.
E prosseguem incansáveis, dia após dia, capacitando seus alunos rumo à descoberta de suas potencialidades e talentos.
Dia após dia, contribuindo para formação de personalidades e de cidadãos que transitem apenas pelo caminho do bem.
Espécies encantadas como foi um dos mestres que tive na vida: professor André Franco Montoro, um jovem eterno que, mesmo tendo completado 60 anos de magistério, entrava para dar aula com o entusiasmo de um iniciante.
A paixão de Franco Montoro era conhecida por muitos.
A maioria de nossos educadores é constituída por heróis anônimos que lutam, muitas vezes, empunhando apenas o giz e a boa vontade.
Heróis que atravessam a seca, os igarapés ou mesmo o trânsito alucinante das metrópoles com o objetivo único de semear idéias, honestidade, honradez, boa vontade, oportunidades, ideais, criatividade e autoconfiança.
Professores são descendentes diretos da linhagem onírica criada por Cervantes em seu Dom Quixote.
Sonhadores e idealistas que pairam muito acima de ideologias políticas, filosóficas ou religiosas.
Preferem se ocupar com questões maiores: levam a vida a professar a educação e tudo de positivo que ela representa.
Que, nesta data comemorativa e sempre, saibamos reconhecer seu valor e devolver lhe a dignidade luzidia de um passado recente, mas que já traz muitas saudades.
Publicado na Folha de S.Paulo