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Olavo de Carvalho

LITERATURA
A literatura não é compreensão das ciências, nem da sociedade, nem de nenhuma coisa em particular, mas simplesmente experiência acumulada e narrada da vida.
É assim porque em nossa individualidade não podemos viver todas as experiências.
Noventa e nove por cento das nossas experiências são experiências acumuladas dos outros, que nós ouvimos falar, que nós lemos E a literatura é o núcleo, é o que tem de melhor sobre a experiência humana.
São aspectos altamente significativos da experiência humana condensados em símbolos e transmitidos como se fossem pílulas.
A literatura de ficção é isto: a aquisição de experiências humanas e dos meios de simbolizá las, de narrá las, pois ter a experiência apenas não basta.
Nós precisamos narrar a experiência, não apenas para os outros, mas também para que a experiência torne se pensável para nós, com o objetivo de dominá la intelectualmente.
O indivíduo que leu dez, vinte, cem, mil narrativas ficcionais como romances, peças de teatro etc, narrará as suas experiências para os outros e para ele mesmo de um modo muito mais claro e direto.
Por outro lado, uma pessoa inculta não sabe narrar precisamente as suas experiências.
A pessoa inculta toma a sua história e a reduz a uma história parecida e mais simples, mas nunca a toma com a devida precisão.
É por isso que quanto mais inculta é a pessoa mais letais são para ela os problemas psicológicos.
Dramas que um homem culto consideraria como ridículos levam um homem inculto ao suicídio.
Por que os crimes passionais são em muito maior número nas classes incultas Porque essas pessoas não sabem lidar com o problema, não possuem meios de elaborar intelectualmente o drama.
Nem elas e nem o seu meio social.
Então tudo vira tragédia.

Muito do que fazemos na vida às vezes, tudo é compensação de alguma tristeza que tivemos na infância ou na adolescência.
No meu caso, sei exatamente que tristeza foi essa.
Quando, no início da adolescência, comecei a me interessar por literatura, teatro, música clássica, história, filosofia, psicologia, teologia, entendi que tinha descoberto um tesouro infinitamente valioso, o alívio quase imediato da maioria dos padecimentos humanos.
Qual não foi a minha surpresa ao perceber que em geral as pessoas não apenas eram desprovidas de qualquer interesse por essas coisas, como tinham até um certo orgulho da sua indolência mental, acreditando piamente que acabariam por vencer todas as dificuldades da vida pela simples repetição dos automatismos rotineiros que lhes davam um sentimento de segurança na mesma medida em que, a longo prazo, garantiam o seu fracasso.
Muitas dessas pessoas não escondiam o desprezo que sentiam pelas minhas preocupações, que elas diziam estratosféricas, e não raro o desprezo se manifestava como arrogância, agressividade e exclusão ostensiva.
Aos poucos fui descobrindo que isso não acontecia só no meu ambiente social, mas era uma praga endêmica, uma constante da vída brasileira.
Os melhores, os mais conscientes e mais sensíveis eram sistematicamente boicotados e escorraçados, jogados para o fundo de uma existência obscura e deprimente pela santa aliança da mediocridade com a arrogância, da inépcia com a vaidade, da indolência com o carreirismo.
Eu SEMPRE soube que um dia teria de fazer algo contra isso.

Se conhecer a verdade na sua fórmula universal e genérica bastasse, seja para a sabedoria na vida, seja para a salvação da alma, Jesus não teria se encarnado na forma de um indivíduo humano singular, concreto e vivo.
Bastaria que enviasse um livro, como no Islam.
E nesse caso Ele não teria dito: 'EU sou a Verdade'.
Ele diria, como no Islam: 'A Verdade é o Livro.'
A verdade só existe na intuição da realidade concreta e viva por um ser humano concreto e vivo, no momento em que essa intuição acontece.
Tudo o que está escrito é apenas o registro de atos de intuição já acontecidos, que têm de ser REVIVIDOS para tornar se verdades de novo.
A verdade é uma PRESENÇA, não uma proposição, uma coisa dita ou escrita.
Isto mesmo que estou escrevendo, expressando uma intuição que tenho, e que no momento é verdade na minha consciência, só será verdade de novo quando você, depois de ler o que escrevi, intuir a mesma coisa que intui, com a mesma evidência gritante que tem para mim agora.
O reconhecimento da identidade de duas proposições base de todo o raciocínio lógico é um ato intuitivo, não um mero 'pensamento'.
Apenas a sua MATÉRIA se constitui de pensamentos.
Embora as proposições tenham de ser pensadas, a identidade delas não existe só no pensamento.
Se não fosse assim, a própria distinção de intuição e pensamento seria impossível.
A mente produz, cria, constrói os pensamentos, mas INTUI as relações entre eles.
Intuir é o mesmo que perceber, com a ressalva de que este último verbo se usa mais com relação às percepções de objetos sensíveis.
Basta meditar um minuto na sentença de Jesus, 'EU sou a Verdade', para entender que a Verdade é uma Pessoa, uma Presença, não uma proposição ou seqüência de proposições.
Mas, para esse minuto chegar, às vezes é preciso esperar uma vida inteira.

Uma das experiências mais perturbadoras que tive na vida foi a de perceber, de novo e de novo ao longo dos anos, o quanto é impossível falar ao coração, à consciência profunda de indivíduos que trocaram sua personalidade genuína por um estereótipo grupal ou ideológico.
Diga você o que disser, mostre lhes mesmo as realidades mais óbvias e gritantes, nada os toca.
Só enxergam o que querem.
Perderam a flexibilidade da inteligência.
Trocaram na por um sistema fixo de emoções repetitivas, acionadas por um reflexo insano de autodefesa grupal.
Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista, africanista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a essa descrição, que corresponde por sua vez ao quadro clássico da histeria.
O histérico não sente o que percebe, mas o que imagina.
Quando o orador gayzista aponta a presença de cento e poucos homossexuais entre cinquenta mil vítimas de homicídios como prova de que há uma epidemia de violência anti gay no Brasil, é evidente que o seu senso natural das proporções foi substituído pelo hiperbolismo retórico do discurso grupal que, no teatro da sua mente, vale como reação genuína à experiência direta.
A presença de um grande número de histéricos nos altos postos de uma sociedade é garantia de deterioração de todas as relações humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da desonestidade e do crime.
(Diário do Comércio, 12 de dezembro de 2012)