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Marla de Queiroz

São delicados e sutis os fios da harmonia.
Ao contrário da alegria, do entusiasmo, ela é uma das sensações mais discretas.
Sua voz é quase imperceptível, feito outra qualidade de silêncio.
Ela não é uma gargalhada, é aquele sorriso por dentro, uma sensação gostosa de estar no lugar certo, na hora adequada.
Feito um arco íris depois da tempestade, sua beleza é adornada pelo equilíbrio dentro do derramamento.
É um adestramento dos fantasmas internos.
A possibilidade de aprimorar os pensamentos.
É quase como não pensar.
Simplesmente, sentimos uma ligação profunda com tudo, um denso bem estar.
Como se tivéssemos uma secreta intimidade com o mundo, certa cumplicidade com o tempo.
É como se observássemos descompromissados, ela é uma descontração.
Como se o coração batesse pelo corpo todo, mas sem extremada euforia.
Uma tranqüilidade dilatada no peito, o olhar satisfeito, a mente entendendo que já nem precisa entender o que é prosa ou poesia.
E o mundo inteiro cabendo num abraço.
E uma firmeza na carícia, a maturidade que perdeu o cansaço, uma confiança que preenche a existência.
A harmonia é um contato profundo com a experiência.
E o tempo do dia não é mais composto por esperas, ele é vivido.
E já não se fala, palavras passeiam pela boca.
E já não se escreve, as frases coreografam as paisagens.
E já não se ama, o amor vigora em nós.
A harmonia tem fios muito delicados e sua trama faz a ligação mais suave entre todas as urgências já sentidas.
E o chão do sonho é macio, e tudo parece estar alinhavado, numa ligação sem sufocamentos.
E a poesia não deseja mais ser nada, vira o afago de um momento.
E nas letras a textura de um veludo, como se ao correr pela página, os olhos pudessem ser acariciados.
E você tem todas as coisas sem precisar tomar posse delas.
Você ama o amor, não o delírio de estar apaixonado.
Sinto a harmonia como uma espécie de fascínio pela vida.
É quase uma perda de outros apetites, porque se está tão nutrido pela própria companhia.
E a gente tem aquela vontade súbita de andar pela noite: não apenas para olhar as estrelas, mas também para por elas sermos vistos.
Harmonia é como se fôssemos inundados pelo mar onde antes só havia um precipício."

E, no meio de tantas mudanças, muitas rupturas.
Algumas coisas foram encaminhadas pro novo destino, outras se perderam irremediavelmente.
O que sobrou posso contar nos dedos, antes eu mal conseguia fechar as gavetas_ tão abarrotadas de coisas, pessoas, lembranças.
Mas o que houve afinal, além de um processo íntimo, pessoal, intransferível Uma mudança externa também, porque há sempre um desconforto em quem se acostuma com o nosso comportamento mais antigo.
E além de lidar com o luto da morte do que éramos, ainda o estranhamento dos que não aceitam o que nos tornamos.
Porque mudam os gostos, a disposição e os planos.
E alguns reagem como se você os tivesse abandonado no meio de uma viagem a dois por outro continente, quando só você sabia falar a língua local mesmo que os impedisse de aprender o idioma .
E, no meio de tantas mudanças, algumas desavenças.
Só porque aqueles mesmos não entendem, não entendem, não entendem, porque não querem aceitar, que tudo é tão dinâmico e que nem deve ter sido tão brusca essa mudança, mas que a coisa maturou durante um tempo em que só queriam que você se envolvesse numa história DELES, que se misturasse nas emoções DELES, que traduzisse o mais íntimo DELES.
E, ao mesmo tempo, você estava amadurecendo uma mudança sua e a coisa toda doía, doía.
Mas eles não perceberam.
Porque a demanda sobre a vaidade deles era grande demais, importante demais, imprescindível demais pra sua poesia.
E, de repente, a minha poesia não queria falar mais sobre nada disso.
Minha poesia queria ser uma carta anônima, um silêncio, uma brincadeira.
Minha poesia não queria ser nada além de uma frase jogada do mais íntimo de uma iluminação sobre um determinado assunto.
Porque, no final das contas, o que escrevo nem é poesia é prosa, é carta, é desabafo, é qualquer coisa.
É um bilhete manuscrito pregado no espelho só pra desejar “Bom Dia!