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Fabrício Carpinejar

SEGREDO ENTRE DEUS E O HOMEM
Fabricio Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi
Raramente você atravessará a encarnação sem experimentar amor, a amizade, a esperança e o ódio.
Mas pode morrer sem nunca conhecer a misericórdia.
A misericórdia não é racional, extrapola a lógica e a balança dos pensamentos coloquiais entre o certo e o errado.
A misericórdia é oferecer chance para quem não merece, é alcançar o perdão para quem recusou a penitência, é emprestar coragem a um covarde, é carregar alguém nas costas do inferno ao paraíso.
Não ser capaz da misericórdia é humano.
Não tem nada de errado.
Pois Deus criou algo realmente incompreensível, inaceitável e perigoso dentro do coração.
Não confunda misericórdia com complacência.
Não significa ceder, porém apoiar na mais completa adversidade.
Assim como é fácil a remissão após longo tempo ou no momento em que os acontecimentos esfriam.
Misericórdia mesmo unicamente tem sentido quando o sangue está quente e a raiva recente de seus ressentimentos.
Misericórdia é um suspiro no interior de um soluço, é uma lágrima que molha as palavras da boca.
Não tem como entender.
Às vezes não há como aceitar.
Estraga a sociedade e a convivência, desfaz a hierarquia dos pecados e o entendimento da redenção pelo esforço.
Misericórdia abole o julgamento, cria exceções insuportáveis, mima a maldade.
É um apoio sumário, sem aguardar contrapartida e recompensas.
Só será feita por quem tem estômago forte, caráter transcendente e pulso firme.
Os fracos não aguentam os revezes da culpa.
Misericórdia é quando um sobrevivente do holocausto desculpa um nazista, é quando uma mãe não se vinga do assassino de seu filho, é quando a vítima da violência se solidariza com as condições do agressor.
Misericórdia é quando você tem todos os motivos para perder a fé e, estranhamente, reforça os votos de crença na vida.

( ) Uma mulher não perdoa uma única coisa no homem: que ele não ame com coragem.
Pode ter os maiores defeitos, atrasar se para os compromissos, jogar futebol no sábado com os amigos, soltar gargalhada de hiena, pentear se com franjinha, ter pêlos nas costas e no pescoço, usar palito de dente, trocar os talheres de um momento para outro.
Qualquer coisa é admitida, menos que não ame com coragem.
Amar com coragem não é viver com coragem.
É bem mais do que estar aí.
Amar com coragem não é questão de estilo, de gosto, de opinião.
Não se adquire com a família, surge de uma decisão solitária.
Amar com coragem é caráter.
Vem de uma obstinação que supera a lealdade.
Vem de uma incompetência de ser diferente.
Amar para valer, para dar torcicolo.
Não encontrar uma desculpa ou um pretexto para se adaptar, para fugir, para não nadar até o começo do corpo.
Não usar atenuantes como “estou confuso”.
Não se diminuir com a insegurança, mas se aumentar com a insegurança.
Não se retrair perante os pais.
Não desmarcar um amor pela amizade.
Não esquecer de comentar pelo receio de ser incompreendido.
Não esquecer de repetir pela ânsia da claridade.
Amar como se não houvesse tempo de amar.
Amar esquisito, de lado, ainda amar.
Amar atrasado, com a respiração antecipando o beijo.
Amar com fúria, com o recalque de não ter sido assim antes.
Amar decidido, obcecado, como quem troca de identidade e parte a um longo exílio.
Amar como quem volta de um longo exílio.
( ) Amar com coragem, só isso.

Meu sonho é casar na igreja
Sou sério, assumo minhas decisões, não sou inconsequente.
Sofro porque sou sério.
A falta de seriedade traz a leviandade, não é o meu exemplo.
Não há maior loucura do que casar se com consciência de que se está casando, não há maior loucura do que a responsabilidade, do que desejar o casamento e segurar um projeto com os dentes e as palavras, por mais que a pressa crie desconfiança.
Nunca me casei na igreja, este é o meu sonho.
Eu me guardo para este sonho.
Eu luto por este sonho.
Fazer sem pensar é inconsequência.
Fazer pensando é compromisso.
Eu me comprometo comigo.
Penso rápido, mas penso.
Penso com devoção.
Ideias guardadas apenas envelhecem, não são como o vinho, não melhoram com os anos.
Realizo enquanto tenho condições de realizar, ainda que imperfeito.
Não adianta se conscientizar dos atos e do que seria melhor tarde demais.
O que vejo de gente se arrependendo quando não pode mais consertar nada.
O perdão se come quente, com o prato fumegando.
Não agirei bêbado e colocarei a culpa na bebida.
Não agirei desesperado e colocarei a culpa na carência.
Agirei porque quis.
Enquanto é hora.
Se errei, se não deu certo, fui eu mesmo que escolhi o meu destino.
O destino é meu de qualquer jeito, acertando e falhando.
Se fui enganado, se fui desamado, era um risco que corria.
Minha vida não é comprada, não ganharei nenhuma luta por antecedência.
Pugilista ou poeta não pode reclamar de sangrar e apanhar.
Não pode lamentar os hematomas, não pode protestar por injustiça, não pode praguejar o ringue.
É da minha natureza confiar no amor e confiar mesmo depois que a pessoa já provou o contrário.
E confiar de novo e confiar mais uma vez diante da repetição do erro até que o outro aprenda o que é confiança.
A fragilidade é fortaleza.
A vulnerabilidade é lealdade.
Quando o destino não me ajuda, fecho a guarda e sigo pela contagem dos pontos.
Não abandono o meu coração.
O sofrimento é meu e também é parte da paixão.
Não tenho como não sofrer quando me entrego.
Não sei o que minha companhia é capaz de oferecer.
Garanto minhas intenções, mostro quem sou desde o início.
Não encampo propaganda enganosa, ninguém descobrirá alguém diferente dentro de mim daqui a um tempo.
Sou monótono de tão passional, sou previsível de tão disposto, pois não mudo minha intensidade.
Caráter é como falamos a verdade mesmo quando não nos beneficia.
Ao morar junto em três dias ou três meses, estou sabendo que será por toda a vida.
É o que espero até o último beijo.
Ou até a consagração do altar.