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Fabrício Carpinejar

( ) Uma mulher não perdoa uma única coisa no homem: que ele não ame com coragem.
Pode ter os maiores defeitos, atrasar se para os compromissos, jogar futebol no sábado com os amigos, soltar gargalhada de hiena, pentear se com franjinha, ter pêlos nas costas e no pescoço, usar palito de dente, trocar os talheres de um momento para outro.
Qualquer coisa é admitida, menos que não ame com coragem.
Amar com coragem não é viver com coragem.
É bem mais do que estar aí.
Amar com coragem não é questão de estilo, de gosto, de opinião.
Não se adquire com a família, surge de uma decisão solitária.
Amar com coragem é caráter.
Vem de uma obstinação que supera a lealdade.
Vem de uma incompetência de ser diferente.
Amar para valer, para dar torcicolo.
Não encontrar uma desculpa ou um pretexto para se adaptar, para fugir, para não nadar até o começo do corpo.
Não usar atenuantes como “estou confuso”.
Não se diminuir com a insegurança, mas se aumentar com a insegurança.
Não se retrair perante os pais.
Não desmarcar um amor pela amizade.
Não esquecer de comentar pelo receio de ser incompreendido.
Não esquecer de repetir pela ânsia da claridade.
Amar como se não houvesse tempo de amar.
Amar esquisito, de lado, ainda amar.
Amar atrasado, com a respiração antecipando o beijo.
Amar com fúria, com o recalque de não ter sido assim antes.
Amar decidido, obcecado, como quem troca de identidade e parte a um longo exílio.
Amar como quem volta de um longo exílio.
( ) Amar com coragem, só isso.

A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.
Vingança é uma arte, o refinamento da carência.
Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar.
Não terminou de argumentar.
Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.
O luto é destinado aos que amam amar.
Vinga se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando.
É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor.
A união de dois terrorismos.
Vinga se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado.
Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos.
A vingança é o juízo final do avarento amoroso.
Indica também prepotência.
O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio.
Acha que está ensinando seu antigo par.
Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno.
Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro.
Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.
O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele.
Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade.
O vingador vive por hipóteses.
Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.
A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação.
Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar se apesar da exagerada vontade de falar.
A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor.
Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida.
Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos.
Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente.
E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.
Não conheço vingança perfeita.
Não se vingar talvez seja a melhor vingança.
Fazer esperar uma resposta que nunca virá.