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Eduardo Galeano

O parto
Três dias de parto e o filho não saía:
Tá preso.
O negrinho tá preso disse o homem.
Ele vinha de um rancho perdido nos campos,
E o medico foi até lá.
Maleta na mão, debaixo do sol do meio dia, o médico andou até aquela longidão, aquela solidão, onde tudo parece coisa do destino feroz; e chegou e viu.
Depois, contou para Glória Galván:
A mulher estava nas últimas, mas ainda arfava e suava e estava com os olhos muito abertos.
Eu não tinha experiência nessas coisas.
Eu tremia, estava sem nenhuma idéia.
E nisso, quando levantei a coberta, vi um braço pequeninho aparecendo entre as pernas abertas da mulher.
O médico percebeu que o homem tinha estado puxando.
O bracinho estava esfolado e sem vida, um penduricalho sujo de sangue seco, e o médico pensou: Não se pode fazer mais nada.
E mesmo assim, sabe se lá por quê, acariciou o bracinho.
Roçou com o dedo aquela coisa inerte e ao chegar à mãozinha, de repente a mãozinha se fechou e apertou seu dedo com força.
Então o médico pediu que alguém fervesse água, e arregaçou as mangas da camisa.
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Ressurreições / 2
Eram os tempos da ditadura militar no Brasil.
Os generais deixaram no entrar para que morresse em sua própria terra.
Darcy Ribeiro chegou do exílio e uma ambulância, que o esperava ao pé do avião, levou o diretamente ao hospital.
Darcy sabia que estava com câncer, e que o câncer tinha devorado pelo menos um de seus pulmões, mas estava alegre de alegria por estar na sua terra e sentir que ela estava tão sempre viva e dançadoura.
O irmão de Darcy chegou da cidade de Montes Claros.
Vinha para se despedir.
Sentado ao lado de Darcy no hospital, olhava os próprios pés.
Estava choroso e sombrio e Darcy tratava de levantar lhe o ânimo.
O cirurgião tomou Darcy pelo braço e levou o para caminhar pelo corredor:
Não quero desanimá lo disse , mas acho que o senhor deve preparar se para o pior.
Se o seu irmão sair vivo, será um milagre.
Darcy não pôde conter o riso, e o médico não entendeu.
No dia seguinte, foi operado.
Darcy despertou com um pulmão a menos.
Como tem tantos, nem percebeu.
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As formigas
Tracey Hill era menina num povoado de Connecticut, e se divertia com diversões próprias de sua idade, como qualquer outro doce anjinho de Deus no estado de Connecticut ou em qualquer outro lugar deste planeta.
Um dia, junto a seus companheirinhos de escola, Tracey se pôs a atirar fósforos acesos num formigueiro.
Todos desfrutaram muito daquele sadio entretenimento infantil; Tracey, porém, ficou impressionada com uma coisa que os outros não viram, ou fizeram como se não vissem, mas que deixou a paralisada e deixou nela, para sempre, um sinal na memória: frente ao fogo, frente ao perigo, as formigas separavam se em casais e assim, de duas em duas, bem juntinhas, esperavam a morte.
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A vida profissional/ 2
Têm o mesmo nome, o mesmo sobrenome.
Ocupam a mesma casa e calçam os mesmos sapatos.
Dormem no mesmo travesseiro, ao lado da mesma mulher.
A cada manhã, o espelho lhes devolve a mesma cara.
Mas ele e ele não são a mesma pessoa:
E eu, o que tenho a ver com isso diz ele, falando dele, enquanto sacode os ombros.
Eu cumpro ordens diz, ou diz:
Sou pago para isso.
Ou diz:
Se eu não fizer, outro faz.
Que é como dizer:
Eu sou o outro.
Frente ao ódio da vítima, o verdugo sente estupor, e até uma certa sensação de injustiça: afinal, ele é um funcionário,um simples funcionário que cumpre seu horário e suas tarefas.
Terminada a jornada extenuante de trabalho, o torturador lava as mãos.
Ahmadou Gherab, que lutou pela independência da Argélia, me contou.
Ahmadou foi torturado por um oficial francês durante vários meses.
E a cada dia, às seis em ponto da tarde, o torturador secava o suor da fronte, desligava da tomada a máquina de dar choques e guardava os outros instrumentos de trabalho.
Então se sentava ao lado do torturado e falava de sua mulher insuportável e do filho recém nascido, que não o deixara grudar o olho a noite inteira; falava contra Orã, esta cidade de merda, e contra o filho da puta do coronel que
Ahmadou, ensangüentado, tremendo de dor, ardendo em febre, não dizia nada.
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A vida profissional/3
Os banqueiros da grande bancaria do mundo, que praticam o terrorismo do dinheiro, podem mais que os reis e os marechais e mais que o próprio Papa de Roma.
Eles jamais sujam as mãos.
Não matam ninguém: se limitam a aplaudir o espetáculo.
Seus funcionários, os tecnocratas internacionais, mandam em nossos países: eles não são presidentes, nem ministros, nem foram eleitos em nenhuma eleição, mas decidem o nível dos salários e do gasto público, os investimentos e desinvestimentos, os preços, os impostos, os lucros, os subsídios, a hora do nascer do sol e a freqüência das chuvas.
Não cuidam, em troca, dos cárceres, nem das câmaras de tormento, nem dos campos de concentração, nem dos centros de extermínio, embora nesses lugares ocorram as inevitáveis conseqüências de seus atos.
Os tecnocratas reivindicam o privilegio da irresponsabilidade:
Somos neutros dizem.
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O LIvro dos Abraços