O parto
Três dias de parto e o filho não saía:
Tá preso.
O negrinho tá preso disse o homem.
Ele vinha de um rancho perdido nos campos,
E o medico foi até lá.
Maleta na mão, debaixo do sol do meio dia, o médico andou até aquela longidão, aquela solidão, onde tudo parece coisa do destino feroz; e chegou e viu.
Depois, contou para Glória Galván:
A mulher estava nas últimas, mas ainda arfava e suava e estava com os olhos muito abertos.
Eu não tinha experiência nessas coisas.
Eu tremia, estava sem nenhuma idéia.
E nisso, quando levantei a coberta, vi um braço pequeninho aparecendo entre as pernas abertas da mulher.
O médico percebeu que o homem tinha estado puxando.
O bracinho estava esfolado e sem vida, um penduricalho sujo de sangue seco, e o médico pensou: Não se pode fazer mais nada.
E mesmo assim, sabe se lá por quê, acariciou o bracinho.
Roçou com o dedo aquela coisa inerte e ao chegar à mãozinha, de repente a mãozinha se fechou e apertou seu dedo com força.
Então o médico pediu que alguém fervesse água, e arregaçou as mangas da camisa.
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Ressurreições / 2
Eram os tempos da ditadura militar no Brasil.
Os generais deixaram no entrar para que morresse em sua própria terra.
Darcy Ribeiro chegou do exílio e uma ambulância, que o esperava ao pé do avião, levou o diretamente ao hospital.
Darcy sabia que estava com câncer, e que o câncer tinha devorado pelo menos um de seus pulmões, mas estava alegre de alegria por estar na sua terra e sentir que ela estava tão sempre viva e dançadoura.
O irmão de Darcy chegou da cidade de Montes Claros.
Vinha para se despedir.
Sentado ao lado de Darcy no hospital, olhava os próprios pés.
Estava choroso e sombrio e Darcy tratava de levantar lhe o ânimo.
O cirurgião tomou Darcy pelo braço e levou o para caminhar pelo corredor:
Não quero desanimá lo disse , mas acho que o senhor deve preparar se para o pior.
Se o seu irmão sair vivo, será um milagre.
Darcy não pôde conter o riso, e o médico não entendeu.
No dia seguinte, foi operado.
Darcy despertou com um pulmão a menos.
Como tem tantos, nem percebeu.
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As formigas
Tracey Hill era menina num povoado de Connecticut, e se divertia com diversões próprias de sua idade, como qualquer outro doce anjinho de Deus no estado de Connecticut ou em qualquer outro lugar deste planeta.
Um dia, junto a seus companheirinhos de escola, Tracey se pôs a atirar fósforos acesos num formigueiro.
Todos desfrutaram muito daquele sadio entretenimento infantil; Tracey, porém, ficou impressionada com uma coisa que os outros não viram, ou fizeram como se não vissem, mas que deixou a paralisada e deixou nela, para sempre, um sinal na memória: frente ao fogo, frente ao perigo, as formigas separavam se em casais e assim, de duas em duas, bem juntinhas, esperavam a morte.
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