ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE
Nove de Outubro de 2015, Sexta feira, 7:45h da manhã.
Avistei ao longe um casal de velhinhos já octogenários.
Ela na frente, os pés inchados por alguma patologia, arrastava com dificuldade um carrinho de feira vazio.
Ele, logo atrás, magrinho de dar dó, se equilibrava em uma bengala em passos trôpegos.
Verdade que não havia faixa de pedestres ali; rua tranquila, sem outros carros passando.
Parei o meu e fiz sinal para que pudessem atravessar calmamente, não me custando nada esperá los.
Um meio sorriso se esboçou na fronte da senhorinha e, passo a passo, foram tomando a rua rumo ao outro lado.
O senhorzinho segurou o ombro de sua senhora com uma mão para dar impulso ao passo e ajudar a bengala em seu equilíbrio, vagarosamente.
Avistei pelo retrovisor uma motociclista que vinha logo atrás em uma velocidade baixa, mas suficiente para que eu pudesse colocar o meu braço para fora e balançá lo, em sinal de “venha devagar mais devagar”.
A motociclista ignorou o meu gesto, ignorou a esquina possivelmente embalada musicalmente pelos fones de ouvido logo abaixo do capacete.
Ultrapassou o meu carro e freou bruscamente em cima do casal de velhinhos.
O susto foi tamanho que os dois foram ao chão corpos, bengala, carrinho de feira, respeito, civilidade.
Tudo caído no asfalto.
A motociclista continuou “empinada” em sua moto e não fez nenhuma menção de ajudá los, não moveu um músculo sequer e eles estatelados no chão.
Abri a porta do meu carro e saí e, antes que eu pudesse fazer algo, o velhinho, com toda a dificuldade e com certa rapidez olímpica para a sua idade, se levantou do chão, levantou a sua senhora com os joelhos ensanguentados e pegou a sua bengala.
Em pé na porta do meu carro, pude ver uma cena similar às populares surras que ocorreram nas novelas globais “Senhora do Destino” e “Celebridade”.
O velhinho, juntando as forças de seus braços magros, “empunhou” a sua bengala como se fosse uma espada e, como se tivesse tomado um elixir da juventude, desferiu golpes na motociclista posuda.
Um, dois, três, quatro, no retrovisor da moto, no ombro dela, no tanque na moto, nas pernas dela.
Aí sim, ela reagiu, se movimentou, pois AGORA sim, era com ela, antes não! Ela começou a gritar “velho louco! velho louco! ” e ele, com a sua “bengala sabre de luz”, tentava fazer alguma justiça com as próprias mãos, ainda muito trêmulas, pela idade e também pelo susto.
A motociclista arrancou a sua moto dali “gesticulando palavrões” deixando o velhinho ainda agitado e nervoso.
Deixei o carro em direção aos dois para prestar alguma ajuda, pois os ferimentos físicos e emocionais eram visíveis.
Peguei a minha garrafinha de água e ofereci a senhorinha sentada na calçada.
Perguntei se poderiam entrar em meu carro para levá los até o Pronto Atendimento, mas não aceitaram, alegando que estavam bem e precisavam fazer a “feira do mês”, em um supermercado próximo dali.
Se levantaram, sacudiram a poeira; a senhorinha enxugou o suor e as lágrimas com um roto lenço, ajeitou seus cabelos e também o boné na cabeça de seu senhor, e, ambos, continuaram os seus vagarosos passos apoiados um no outro (creio agora que mais tristes e decepcionados do que quando se levantaram pela manhã).
Isso tudo não durou 5 minutos de relógio, e escrevo para que fique uma pequena eternidade em registro.
Foi tudo muito rápido, mas não pude deixar de notar que, no veículo da descerebrada motociclista estava adesivado: “Livrai me de todo mal, amém”.
No mínimo, irônico.