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Nivea Almeida

CARTA AO BOM VELHINHO
Confesso, eu fui uma péssima garota esse ano.
Fiz um monte de bobagens imperdoáveis.
Julguei os que mendigavam nos sinais, só dispondo moedas àqueles que não tinham cheiro adocicado de álcool (ou não pareciam entorpecidos).
Comi uns chocolates na madrugada sem que ninguém soubesse: a TPM era mais forte do que eu.
Desculpei me dizendo que não estava passando bem, mas na verdade o compromisso é que era mesmo muito chato.
Gritei palavrões cabeludos perto da minha filha quando o pneu do carro entrou em buracos (e, falando nisso, acho que também ultrapassei a velocidade máxima permitida algumas vezes).
Viajei para lugares paradisíacos no meio de reuniões enfadonhas.
Perdi a paciência e a sanidade com gente lerda e preguiçosa.
Bebi menos água do que devia, e outras vezes tive que encerrar uma conversa pela metade pois não aguentava mais segurar o xixi.
Fiz caretas e até distanciei o equipamento do ouvido enquanto conversava com idiotas ou tagarelas ao telefone.
Dormi bem menos do que devia, e fui bem mais exigente comigo mesma do que era preciso.
Menti a idade um bom par de vezes.
Julguei injustamente pneuzinhos, covardia, fraqueza, fracasso, desemprego e ignorância alheia como desleixo.
Deixei de dizer alguns “nãos” na hora certa.
Fiquei um pouco mais de tempo que eu queria dedilhando o smartphone.
Por vezes esqueci de anotar certas coisas importantes E acabei me esquecendo de vez.
E, mais um ano termina, e eu não consegui aniquilar a vaidade, o orgulho e fundamentar o exercício do desapego.
Mas, nem tudo são só espinhos.
Em contrapartida, experimentei lugares e sabores novos.
Tive um pouco mais de paciência com as pessoas que convivo.
Fiz novos e excelentes amigos.
Sorri o quanto pude, e dentro das minhas limitações, tentei não perder a compostura.
Calei quando percebi que só devia escutar.
Aprendi, enfim, a sair de conversas improdutivas, principalmente das que se falavam mal de um ausente.
Evitei entrar em brigas e debates presenciais e em rede e encontrei sabedoria em fontes alternativas.
Assisti às séries que eu bem quis.
Vi filmes e li livros que todo mundo rechaça, só pelo prazer de ter a minha própria opinião.
Voltei a ouvir lindas músicas esquecidas, e me permiti sentir profundas saudades de quem já se foi.
Importei muito menos com a opinião dos outros, e acabei saindo sábados pela manhã sentindo me linda, apesar de um vestidinho roto e “maquiada” somente com óculos escuros.
Fui em todas as festas, comemorações, jantares e festejos que pude, e perdi o controle com a bebida uma única vez.
Tentei não sofrer tanto com a insônia, ocupando aquelas horas inertes com algo que me pudesse fazer feliz.
Consumi muito menos alimentos industrializados e melhorei sobremaneira a minha consciência alimentar.
Sorvi de camarote cada um dos 365 dias da minha filha.
Troquei meus travesseiros por outros bem mais macios.
Pintei a casa de outra cor.
Comecei a chorar por sensibilidade, e acho que esse foi um dos grandes trunfos desse ano.
Não sei ao certo se nesse balanço da vida eu mereça algum presente.
Não precisa ser complacente se eu não fizer jus.
Mas se algo eu puder pedir, quero saúde para ver a minha filha crescer.
Quero disposição para trabalhar por mais tantos anos.
Quero mais sabedoria para todos os enfrentamentos durante essa caminhada pedregulhosa.
Quero senso crítico cada vez mais apurado para que as minhas “lentes” não embacem diante desse fumacê insistente que os jornais mostram.
Quero forças para fugir das tentações (como, por exemplo, um taco generoso de um bolo prestígio).
Renove a minha vontade de realizar cada um dos meus sonhos, e preciso de serenidade quando a realização deles delongar um pouco mais pelo envolvimento de terceiros.
Por fim, quero lucidez suficiente para não caminhar com a boiada.
E, “para não dizer que não falei das flores”, uma rebarbinha do Prêmio da Mega Sena da Virada não seria nada mau também, hein

FRAGMENTO DO INFINITO
Defronte uma folha em branco, tentei escrever algo sobre o amor amigo.
Depois da lixeira cheia de papéis amassados, descobri que os amigos moram em um cômodo no coração com proteção acústica.
Apurei os ouvidos mas foi impossível ouvir o que saía de lá Mas deu para sentir as vibrações! Parecia uma festa, daquelas de arromba, danças em sincronia e coloridos fogos de artifício em composição.
Não fiquei satisfeita e procurei um doutor pra tirar uma “chapa” (eu precisava ver aquilo! ) Mas por mais que eu apurasse o olhar, não consegui enxergar nada de diferente naquele plástico escuro e manchado.
Percebi que onde os amigos moram é invisível aos olhos, está tão diluído, faz tão parte da gente que acaba correndo nas veias, explode em sorriso e aquece a nossa alma!
Por fim, faltou me inspiração e tentei em vão folhear o velho dicionário procurando palavras mais adequadas, e percebi que os melhores e mais queridos amigos surpreendentemente ouvem o nosso silêncio, lêem o nosso olhar, compreendem a nossa distância e ausência, entendem quando desmarcamos um compromisso, quando adiamos um abraço, quando não podemos brindar a felicidade compartilhada E acima de tudo, são capazes de nos amar quando menos merecemos
O amor amigo é um mistério para poucos revelado.
Um elixir para ressignificar e nutrir a vida e germinar os nossos íntimos terrenos áridos.
Amigos são mágicos que nos encantam e envolvem sem coelhos na cartola; são alienígenas que nos abduzem sem espaçonaves tecnológicas, nos levando para lugares recônditos e ocultos Dentro de nós mesmos.
Concluí então que o amor amigo é um fragmento do infinito: quanto mais você oferecer, mais você receberá

DEIXE A CAIR!
– Mamãe, você está chorando
Mesmo disfarçando ela percebeu.
De mãos dadas na porta de saída do restaurante, observávamos a chuva que havia iniciado e nos impedia de seguir.
– Sim, meu amor, mamãe está ficando velha e boba e se emocionou com a chuva.
– Reparei então, pelo seu semblante, que não havia entendido bem a minha resposta.
Continuei: – Chuva é riqueza para nosso povo tão pobre de água.
– Mamãe, mas estamos sem guarda chuva.
Como chegaremos até o carro Está bem forte.
– Alertou a minha pequena, sempre tão prática e racional, e naquele momento também preocupada com o horário do prometido cinema.
– Não se preocupe, filhinha.
Para a chuva, temos todo o tempo do mundo.
Deixe a cair! O Sertão está com tanta sede E vê la assim, tão densa, é bem melhor do que qualquer filme, tenha certeza.
Nesse momento, ajoelhei para ficar da sua altura.
Eu poderia ter só me abaixado, é verdade, mas era de joelhos que todo o meu Ser queria estar naquela hora.
Na perspectiva visual da minha menina, pude observar ao longe um grupo de jovens em algazarra tomando banho na chuvarada, gritando, cantando, dançando e pulando poças.
Nos edifícios, várias pessoas debruçadas nas janelas, sorrindo e observando a água cair.
Os carros passando, vagarosamente, vidros entreabertos e os “caronas” com as mãos para fora (pelo jeito buscando sentir as grossas gotas ao encontro da própria pele).
Um senhor que passava ali portava um guarda chuva fechado (e não parecia ter a intenção de abri lo), e o vi pedir muito sorridente um “saquinho plástico” ao garçom do restaurante que estávamos, decerto para proteger o celular enquanto enfrentasse o aguaceiro.
Cada um demonstrando a sua emoção de um jeito diferente.
Continuamos ali paradas por mais alguns minutos, abraçadas, nos deliciando com o cheiro, o som e a visão daquele precioso evento, que alegrou sobremaneira o nosso domingo.

CARTA AO BOM VELHINHO
Confesso, eu fui uma péssima garota esse ano.
Fiz um monte de bobagens imperdoáveis.
Julguei os que mendigavam nos sinais, só dispondo moedas àqueles que não tinham cheiro adocicado de álcool (ou não pareciam entorpecidos).
Comi uns chocolates na madrugada sem que ninguém soubesse: a TPM era mais forte do que eu.
Desculpei me dizendo que não estava passando bem, mas na verdade o compromisso é que era mesmo muito chato.
Gritei palavrões cabeludos perto da minha filha quando o pneu do carro entrou em buracos (e, falando nisso, acho que também ultrapassei a velocidade máxima permitida algumas vezes).
Viajei para lugares paradisíacos no meio de reuniões enfadonhas.
Perdi a paciência e a sanidade com gente lerda e preguiçosa.
Bebi menos água do que devia, e outras vezes tive que encerrar uma conversa pela metade pois não aguentava mais segurar o xixi.
Fiz caretas e até distanciei o equipamento do ouvido enquanto conversava com idiotas ou tagarelas ao telefone.
Dormi bem menos do que devia, e fui bem mais exigente comigo mesma do que era preciso.
Menti a idade um bom par de vezes.
Julguei injustamente pneuzinhos, covardia, fraqueza, fracasso, desemprego e ignorância alheia como desleixo.
Deixei de dizer alguns “nãos” na hora certa.
Fiquei um pouco mais de tempo que eu queria dedilhando o smartphone.
Por vezes esqueci de anotar certas coisas importantes E acabei me esquecendo de vez.
E, mais um ano termina, e eu não consegui aniquilar a vaidade, o orgulho e fundamentar o exercício do desapego.
Mas, nem tudo são só espinhos.
Em contrapartida, experimentei lugares e sabores novos.
Tive um pouco mais de paciência com as pessoas que convivo.
Fiz novos e excelentes amigos.
Sorri o quanto pude, e dentro das minhas limitações, tentei não perder a compostura.
Calei quando percebi que só devia escutar.
Aprendi, enfim, a sair de conversas improdutivas, principalmente das que se falavam mal de um ausente.
Evitei entrar em brigas e debates presenciais e em rede e encontrei sabedoria em fontes alternativas.
Assisti às séries que eu bem quis.
Vi filmes e li livros que todo mundo rechaça, só pelo prazer de ter a minha própria opinião.
Voltei a ouvir lindas músicas esquecidas, e me permiti sentir profundas saudades de quem já se foi.
Importei muito menos com a opinião dos outros, e acabei saindo sábados pela manhã sentindo me linda, apesar de um vestidinho roto e “maquiada” somente com óculos escuros.
Fui em todas as festas, comemorações, jantares e festejos que pude, e perdi o controle com a bebida uma única vez.
Tentei não sofrer tanto com a insônia, ocupando aquelas horas inertes com algo que me pudesse fazer feliz.
Consumi muito menos alimentos industrializados e melhorei sobremaneira a minha consciência alimentar.
Sorvi de camarote cada um dos 365 dias da minha filha.
Troquei meus travesseiros por outros bem mais macios.
Pintei a casa de outra cor.
Comecei a chorar por sensibilidade, e acho que esse foi um dos grandes trunfos desse ano.
Não sei ao certo se nesse balanço da vida eu mereça algum presente.
Não precisa ser complacente se eu não fizer jus.
Mas se algo eu puder pedir, quero saúde para ver a minha filha crescer.
Quero disposição para trabalhar por mais tantos anos.
Quero mais sabedoria para todos os enfrentamentos durante essa caminhada pedregulhosa.
Quero senso crítico cada vez mais apurado para que as minhas “lentes” não embacem diante desse fumacê insistente que os jornais mostram.
Quero forças para fugir das tentações (como, por exemplo, um taco generoso de um bolo prestígio).
Renove a minha vontade de realizar cada um dos meus sonhos, e preciso de serenidade quando a realização deles delongar um pouco mais pelo envolvimento de terceiros.
Por fim, quero lucidez suficiente para não caminhar com a boiada.
E, “para não dizer que não falei das flores”, uma rebarbinha do Prêmio da Mega Sena da Virada não seria nada mau também, hein

ROGO LHE UMA PRAGA!
Permita me! Rogo lhe um praga: Você nunca será capaz de me esquecer!
Toda vez que se deparar com uma curva mais fechada na estrada Lembrará, inelutavelmente, de que quando eu me calava, era enjoo que eu sentia.
Toda vez que sorver o aroma de um incenso Lembrará, infalivelmente, que eu sempre perfumava a nossa convivência conflagrando algum bálsamo especial.
Toda vez que observar os fogos de artifício colorirem o céu nas noites de Réveillon Lembrará, irrevogavelmente, que era ao meu lado que você estava na Princesinha do Mar.
Toda vez que você se arrumar para sair Lembrará, obrigatoriamente, daquele perfume forte e adocicado que você aspergia e brandia as minhas entranhas.
Toda vez que deparar pelas ruas com alguma beldade de cabelos afogueados Lembrará, inevitavelmente, da sua pequena raposinha camaleoa.
Toda vez que, derramado em seu coxim, assistir ao seu time favorito na TV Lembrará, necessariamente, das vezes que estive ali ocupando sonolenta o espaço em seu colo.
Toda vez que o seu corpo for balouçado enquanto alguma música dançante tocar Lembrará, fatalmente, que foi enlaçado em mim que você aletradou os seus primeiros passos.
Toda vez que assistir a um filme no cinema Lembrará, absolutamente, das nossas inteligentes sessões comentadas rodeadas de comida oriental.
Todas as vezes que se deparar com uma palavra nova em outro idioma Lembrará, irreparavelmente, da minha nada melodiosa voz cantarejando um trecho de alguma música com aquele vocábulo.
Toda vez que observar uma tatuagem colorida, se destacando em alguma derme Lembrará, decisivamente, da lenda do Navio Fantasma, que eu te contei para eu poder fazer só mais duas.
Toda vez que estiver na cama, pronto para dormir Lembrará, irremediavelmente, de que eu gostava de “boas noites” com flores, corações e pronomes possessivos.
Toda vez que você abrir as suas gavetas e procurar alguma roupa Lembrará, invencivelmente, do quanto eu me deliciava com o furto e o conforto de dormir sorrateira com alguma de suas regatas.
Toda vez que retornar arranhado de uma nova ou frequente peripécia Lembrará, irremissivelmente, que sempre oferecia os meus beijos, carinhos e chás para debelar os seus machucados.
Toda vez que sacudir a coqueteleira, misturando as frutas, o gelo e o rum Lembrará, forçosamente, daquela única noite que, eu até evitei a vodca, mas acabei me afogando no último copo de uísque.
Toda vez que o aroma do café forte coado invadir a sua vivenda Lembrará, implacavelmente, que nenhum prolapso me privaria de amanhecer assim.
Toda vez que perceber alguma dama com a boca, os saltos e as unhas escarlates Lembrará, inexoravelmente, que foi de carmim que eu me pintei para o nosso primeiro encontro.
E se por fim e por ventura Requerer uma oração que te livre dessa jura Substituído precisará ser o seu coração, para que, enfim, se desfaça essa sua bendição.
Amem!