A inveja é o mais dissimulado dos sentimentos humanos, não só por ser o mais desprezível mas porque se compõe, em essência, de um conflito insolúvel entre a aversão a si mesmo e o anseio de autovalorização, de tal modo que a alma, dividida, fala para fora com a voz do orgulho e para dentro com a do desprezo, não logrando jamais aquela unidade de intenção e de tom que evidencia a sinceridade.
[ ] A gente confessa ódio, humilhação, medo, ciúme, tristeza, cobiça.
Inveja, nunca.
A inveja admitida se anularia no ato, transmutando se em competição franca ou em desistência resignada.
A inveja é o único sentimento que se alimenta de sua própria ocultação.
O homem torna se invejoso quando desiste intimamente dos bens que cobiçava, por acreditar, em segredo, que não os merece.
O que lhe dói não é a falta dos bens, mas do mérito.
Daí sua compulsão de depreciar esses bens, de destruí los ou de substituí los por simulacros miseráveis, fingindo julgá los mais valiosos que os originais.
É precisamente nas dissimulações que a inveja se revela da maneira mais clara.
As formas de dissimulação são muitas, mas a inveja essencial, primordial, tem por objeto os bens espirituais, porque são mais abstratos e impalpáveis, mais aptos a despertar no invejoso aquele sentimento de exclusão irremediável que faz dele, em vida, um condenado do inferno.
Riqueza material e poder mundano nunca são tão distantes, tão incompreensíveis, quanto a amizade de Abel com Deus, que leva Caim ao desespero, ou o misterioso dom do gênio criador, que humilha as inteligências medíocres mesmo quando bem sucedidas social e economicamente.