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Tati Bernardi Textos

" me restou a consideração que você guardou por mim.
Sua ligação depois, quando me encontra.
Sua mão estendida.
Sua lamentação pela vida como ela é.
Sua gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim.
A maneira que você tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração.
Você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido.
Finjo que aceito suas considerações mas é apenas pra ter novamente o segundo.
Como o segundo do meu nariz na sua nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor.
O segundo do seu nome na tela do meu celular.
O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser.
O segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua sala.
Então aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante.
Aceito você de longe.
Aceito suas costas indo.
Aceito o último cacho virando a esquina.
O último fio preso no pé da minha cama.
Não é que aceito.
Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta.
Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros.
Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor.
Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade.
Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para ver você passar."

Mulherzinha
Ligo antes das cinco pra não parecer que ele é a última opção da minha agenda.
Dou três opções de restaurante e ele escolhe logo a primeira.
Combino de passar umas oito e meia, mando uma mensagem quando estiver na esquina.
Aviso que vou atrasar dez minutos.
Embico na garagem pra ele não tomar chuva.
Pergunto se o ar condicionado está muito forte.
Dirijo com uma mão no volante e outra na perna dele.
Elogio que ele aparou um pouco a barba, coisa que ele adora pois fui a única a reparar.
O manobrista do restaurante abre primeiro a porta dele.
Se assusta que é um homem onde eu deveria estar sentada.
Entrega o papel do estacionamento pra mim, contrariado, enquanto meu parceiro já está bem distante.
Escolho fumante pra agradá lo mas por sorte sou informada que essas mesas não existem mais.
Digo a ele que tudo bem, podemos ficar no frio, na parte de fora.
Ele diz que ELE não está a fim de sentir frio e topa não fumar.
Eu chamo o garçom e digo que para mim carne e para ele salmão.
Eu escolho a taça de vinho dele, eu não vou beber porque estou dirigindo.
Eu pego na mão dele, depois da taça estar quase no final, e pergunto se ele não quer ver a linda vista da minha sacada.
Ele sufoca um bocejo charmoso e diz que sim.
O garçom entrega a conta pra ele, que aperta os olhos pra enxergar com a lente embaçada.
Eu ofereço ajuda pra ver os números e numa agilidade impressionante enfio meu cartão ali dentro e faço a carteira de couro desaparecer da mesa.
Incluindo o ticket do estacionamento.
Ele está com frio e ofereço meu cachecol novo.
Ele elogia o perfume e continua com frio.
Entendo que são duas aberturas para o abraço.
O carro chega e a porta dele já está aberta pelo manobrista, a minha eu mesmo abro com dificuldade porque os carros tiram a maior fina do meu corpinho congelado.
Morro de vergonha que o carro está com cheiro ruim, pra variar, o manobrista sacaneou.
Abro os vidros e não digo nada pra não ser rude.
Coloco música baixinha pra gente falar baixinho.
Paro na farmácia pra comprar camisinha mas dou a desculpa que é um antigripal qualquer.
Ele faz que acredita e espera dentro do carro comportadinho e sorrindo.
O cara do caixa quer me lançar um olhar mas na hora tem medo de me encarar.
Acendo as velas novas que ganhei.
Coloco minha estrela azul na tomada que dá o clima perfeito.
O cd novo do Beck.
Ele está nervoso, comentando sem parar das minhas fotos e livros e cortinas.
Eu faço ele parar de falar finalmente.
Depois de tudo, ofereço levá lo e me faço de ofendida quando ele cogita um taxi.
Ele pergunta se pode dormir comigo, eu apenas sorrio e apago a luz.
Ele acende a luz e pergunta se pode ligar pra avisar uma pessoa.
Ele liga pra mãe, que não gosta muito.
Ele volta envergonhado pra cama.
Mas eu, educada, finjo que já estou dormindo.
No dia seguinte eu ligo pra dar bom dia.
Ele me avisa que vai viajar no feriado.
Eu pergunto com quem e ele diz que aí já estou querendo saber demais.
Ele volta a ser homem.
Eu desligo e, aliviada, choro como uma mulherzinha.

E mais uma vez, eu abri uma página sua de uma rede social e fiquei olhando sua foto.
Como eu já sorri olhando praquilo, você não tem idéia.
Mas das ultimas vezes, infelizmente não era sorrindo que eu olhava, era com desanimo, com saudade e mágoa misturadas.
Porque você tinha que morrer Porque você tinha que matar tudo que eu sentia Me obrigar a morrer também.
Me obrigar a fingir estar viva pra todo mundo.
Me obrigar a não chorar, quando tive vontade de chorar.
Vontade de te esmurrar, te dizer que você é um idiota, um babaca, um cretino, um fraco, nunca passou disso.
Nunca uma piada sua foi engraçada, nunca você me surpreendeu.
Nunca.
Mas eu não consigo deixar de pensar em você, a cada dia, a cada ato meu.
E quando eu procuro outras pessoas, eu procuro imaginando você me vendo.
E tendo ódio de mim.
Porque eu quero que sinta ódio.
Porque ódio significa alguma coisa, e é melhor que indiferença.
Você que já foi tudo, já foi minha esperança, foi meu futuro imaginado, hoje não é nada.
Não passa de uma foto numa rede social.
Se eu vivo bem sem você, porque eu continuo te olhando Porque eu sempre volto aqui Porque eu ouço musicas que falam de tristeza Por quê Você não vale isso.
Mas eu faço.
Eu continuo fazendo.
Como uma cerimônia de luto, eu sigo a risca.
Mas acontece que você não morreu de verdade, do jeito que eu preferia que morresse.
Você está ai vivo, vivendo sua vida, fazendo suas coisas, feliz, tranqüilo, sem sentir minha falta, sem olhar minha foto em rede social.
Porque eu não consigo Porque você não podia ser alguém Eu esperei muito de você Não.
Eu não esperei nada, eu entendi tudo, eu entendia o que ninguém entenderia.
Eu respeitei.
Eu fiz como você quis.
Tudo.
Eu me anulei.
Eu deixei de me amar, pra todo meu amor ser só seu.
Eu voltei atrás.
Eu chorei, eu pedi desculpas, eu agüentei besteiras.
Agüentei tudo.
Ajuntando do chão, migalhas do seu carinho, migalhas do seu amor.
Do seu jeito explosivo e calmo.
Um dia me amando como se a terra fosse acabar depois da meia noite.
No outro dia um desconhecido me pedindo pra tratá lo como qualquer um, por favor.
Você é meu personagem favorito.
O dono de todos os meus textos, de todas as minhas histórias.
O dono da curvinha das minhas costas.
E eu tenho que dizer isso agora, só pra uma foto numa rede social.
Porque você morreu na minha vida.
Você pediu demissão, seu cargo era o de presidente, era membro honorário do conselho, tinha tapete vermelho e eu me vestiria até de secretária se te agradasse.
E você pediu demissão, sem aviso prévio nem nada.
Me diz agora Como viver bem Como sobreviver, sem essa ponta de angustia Eu sou feliz, cara.
Eu sou feliz demais.
Mas eu sou infeliz demais, quando penso em você.
Quando penso no que poderia ser, no que poderia ter sido.
Eu sei que não dá.
Eu nem quero que dê.
Não quero mais.
Mas não sei o que fazer com esse nó.
Vai passar né Eu sei.
Com o tempo eu não vou mais olhar sua foto, nem sofrer, nem pensar o quanto é infeliz tudo o que aconteceu.
Tomara que passe logo.
Porque a vontade de te ressuscitar as vezes, me domina.