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Tati Bernardi Textos

“Escrevo isso e choro.
Porque quero tanto e não quero tanto.
Porque se acabar morro.
Porque se não acabar morro.
Porque sempre levo um susto quando te vejo e me pergunto como é que fiquei todos esses anos sem te ver.
Porque você me entedia e dai eu desvio o rosto um segundo e já não aguento de saudade.
E descubro que não é tédio mas sim cansaço porque amar é uma maratona no sol e sem água.
E ainda assim, é a única sombra e água fresca que existe.
Mas e se no primeiro passo eu me quebrar inteira E se eu forçar e acabar pra sempre sem conseguir andar de novo Eu tenho medo que você seja um caminhão de luz que me esmague e me cegue na frente de todo mundo.
Eu tenho medo de ser um saquinho frágil de bolinhas de gude e de você me abrir.
E minhas bolhinhas correrem cada uma para um canto do mundo.
E entrarem pelas valetas do universo.
E eu nunca mais conseguir me juntar do jeito que sou agora.
Eu tenho medo de você abrir o espartilho superficial que aperto todos os dias para me manter ereta, firme e irônica.
Minha angústia particular que me faz parecer segura.
Eu tenho medo de você melhorar minha vida de um jeito que eu nunca mais possa me ajeitar, confortável, em minhas reclamações.
Eu tenho medo da minha cabeça rolar, dos meus braços se desprenderem, do meu estômago sair pelos olhos.
Eu tenho medo de deixar de ser filha, de deixar de ser amiga, de deixar de ser menina, de deixar de ser estranha, de deixar de ser sozinha, de deixar de ser triste, de deixar de ser cínica.
Eu tenho muito medo de deixar de ser.”
O amor chega em uma hora

"Ele é só um cara
É só um cara.Não o ‘denso lago de mistérios gozosos onde você mergulhou e ainda não submergiu’.Nem o ‘sustentáculo de todos os ossos de seu corpo’, tampouco ‘o mármore onde está gravada a suprema razão de sua existência’.É só um cara.
E quer mesmo saber É um cara como todos os outros caras.
Esse que te perguntou as horas no meio da rua – podia ter sido ele e você nem ligou.O mendigo, o ginecologista, o padre, o dealer.Ele estava ali o tempo todo.E ele não estava.Ele é só um deles.Vários.Uma legião.E ninguém.
É só um cara.E não a sua vida.E não todos os dias da sua história.E não todas as suas lágrimas juntas em um único sábado solitário.Ele não é o destino.É um cara.Existem muitos destinos.
Ele é só um cara que mal sabe escolher os próprios perfumes.Não sabe sangrar.Não sabe que nome daria a um filho.Não pode ficar mais tempo.
Ele é só um cara perdido como muitos outros caras que você encontrou.
E perdeu.
Ele é só um cara.E você já esqueceu outro caras antes."
Ele não é só um cara, esse sim, esse esquenta as suas mãos e escuta os seus impropérios e gracinhas com o mesmo apego.
Faz perguntas, faz suas unhas, faz comida, te leva o mundo numa bandeja quando você acorda.
Ele não te deixou apodrecendo ali onde você não pudesse incomodar, não não: ele chegou meia hora antes e trouxe flores cor de laranja.
Depois ainda te levou para algum lugar cheio de estrelas e pernilongos.
E te avisou que quando seus olhos borraram do rímel.
Ele é diferente de tudo o que é errado em seu mundo e em outros mundos.
Não te poupou, porque sabe que você é esperta.
Você diria que ele salvou sua vida se não soasse tão dramático.
E se isso não fosse mentira – a sua vida velha não merecia ser salva e ele te trouxe uma vida nova que inventou só pra você.
Ele te faz sofrer muito, porque sofrer é importante.
Ele não faz planos ou promessas, só surpresas.
Te ensinou a gostar de surpresas, a esperar, ele te deixa esperando, não deixa nada muito claro, você voltou a roer unhas, você nunca sabe, mas a verdade é que ele está sempre ali, ou logo adiante.
Ele é diferente.
Ele não é só um cara.
Ele te ouve como se te entendesse, fala como quem soubesse o que dizer e não diz nada muitas vezes, porque ele entende os silêncios.
Ele mente pra não te chatear e não te deixa descobrir.
Ele existe.
Você sabe que seriam bons amigos, bons parceiros, bons inimigos, mas você prefere ser a ´
garota dele.
E que serão importantes na história um do outro para sempre, independentemente de tudo que estiver pra acontecer.
Porque ele não é só um cara.
Você não quer mais só um cara.
E ele é tudo que você quer hoje.

Médico e o monstro da solidão
Era “neuro”, como dizem.
Já nem sabia mais se queria aquela profissão porque não tinha escolhido a medicina para “salvar pessoas” e sim para “salvar sua conta bancária”.
Trabalhava que nem um condenado para tirar 6, 7 paus por mês, o que não era péssimo mas estava longe de ser enriquecedor.
Pra piorar, não agüentava mais a vida real com toda aquela galera doente e queria virar cineasta.
Ela era “neuro” também, como dizem também.
Já estava no décimo ano de terapia e continuava igual, fazia parte da sua alma, não tinha jeito.
Era poeta, tinha até um site onde vomitava textos pesados e sem rima.
Detestava os poetas tuberculosos que tinha estudado para o vestibular.
Em comum, além da abreviação, eles tinham a vontade de deixar de ser singular.
Foi aí que ele, um dia, depois de tomar banho e não ter vontade nem de se vestir (pra quem ), digitou no google a palavra “solidão”.
Caiu direto no site da garota neurótica.
Era uma poesia que se chamava “solidão o cacete”.
Essa internet expõe mesmo as pessoas, ele pensou.
Ainda bem, ele pensou quando viu a foto dela e achou a mistura daquele texto com aquele rosto algo merecedor de mais exposição:
Ei, figura, tudo bem Caí aqui no seu site, nessa noite quente por fora e fria por dentro.
Sou neurocirurgião, posso abrir sua cabeça.
Não que você seja limitada.
Ela, que não estava acostumada a responder esse tipo de e mail (sua mãe moderna sempre dizia “naum tc com estranhos”), resolveu abrir uma exceção porque achou o máximo falar com um neurocirurgião e também porque pensou que ele devia ganhar bem:
Ei, figura, tô precisando muito que alguém me faça uma lavagem cerebral.
Conta mais.
Só se for ao vivo.
Fechado.
Se encontraram na Fnac da Paulista, ele era alto demais pro gosto dela, ela baixa demais para o dele.
Foto engana.
E o pior é que nem o papo manteve se à altura do esperado.
Sabe, sou louca.
Odeio o mundo.
Você é mais normal do que imagina.
Nunca saí com um fã.
Isso não é um encontro.
Eu sou feia
Linda, mas não faz meu tipo.
Ótimo, uma amizade dura mais que um amor, nunca mais vamos sofrer de solidão.
Ela foi falsa com as palavras cheias de rapidez empolgada, ele com o consentimento cheio de sorrisos encantados.
Conversaram amenidades, comeram pão de queijo, falaram mal de um casal freak que se beijava na frente de crianças, ensaiaram um beijo desconexo para manter viva a chama do teatro e não decepcionar a tarde que se despedia esperançosa, desceram as escadas rolantes e deram graças a Deus quando tudo acabou.
Por trás daquele e mail morava o homem da vida dela, sensível, engraçado e charmoso.
Ela não podia perdoá lo por não ser ele.
Por trás daquele e mail morava uma loira gigante, corpulenta e que fala “cacete”, aquela menina metida a intelectual merecia a morte.

O mau elemento
Eu olho pra sua tatuagem e pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo.
Me encho de esperança e nada.
Vem você e me trata tão bem.
Estraga tudo.Mania de ser bom moço, coisa chata.
Eu nunca mais quero ouvir que você só tem olhos pra mim, ok E nem o quanto você é bom filho.
Muito menos o quanto você ama crianças.
E trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo.
Colabora, pô.
Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder.
E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom.
E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir.
E que segurar minha mão já basta.
E que ele quer conhecer minha mãe.
E que viajar sem mim é um final de semana nulo.
E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca.
Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer Me fazer feliz.
Olha que desgraça.
O moço quer me fazer feliz.
E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável.
E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer.
Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema.
O moço quer me fazer feliz.
Veja se pode.
Não dá, assim não dá.
Deveria ter cadeia pra esse tipo de elemento daninho.
Pior é que vicia.
Não é que acordei me achando hoje Agora neguinho me trata mal e eu não deixo.
Agora neguinho quer me judiar e eu mando pastar.
Dei de achar que mereço ser amada.
Veja se pode.
Anos nos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado com a coxa mais incrível do país e muda tudo.
Até assoviando eu tô agora.
Que desgraça.
Ontem quase, quase, quase ele me tratou mal.
Foi por muito pouco.
Eu senti que a coisa tava vindo.
Cruzei os dedos.
Cheguei a implorar ao acaso.
Vai, meu filho.
Só um pouquinho.
Me xinga, vai.
Me dá uma apertada mais forte no braço.
Fala de outra mulher.
Atende algum amigo retardado bem na hora que eu tava falando dos meus medos.
Manda eu calar a boca.
Sei lá.
Faz alguma coisa homem!
E era piada.
Era piadinha.
Ele fez que tava bravo.
E acabou.
Já veio com o papo chato de que me ama e começou a melação de novo.
Eita homem pra me beijar.
Coisa chata.
Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá.
Onde já se viu andar com um homem desses.
O homem me busca todas as vezes, me espera na porta, abre a porta do carro.
Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos.
Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada.
Depois de trinta anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex.
Fala se tão de sacanagem comigo ou não Como é que eu vou sofrer numa situação dessas Como Me diz
Durmo que é uma maravilha.
A pele está incrível.
A fome voltou.
A vida tá de uma chatice ímpar.
Alguém pode, por favor, me ajudar Existe terapia pra tentar ser infeliz Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho.
Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho.

Tiraram a plaquinha de aluga se
Resolvi morar sozinha e passei os últimos três meses procurando um apartamento para alugar.
Gostei logo de cara de um no Itaim, rua tranquila, vista para várias árvores charmosas, todo pequenininho e aconchegante.
Quando entrei nele senti algo especial, estranho, familiar, algo muito bom.
Mas não, não se pode ficar com o primeiro que aparece, não é mesmo O Itaim tem muito trânsito, prédios antigos dão problema na fiação e no encanamento, a garagem era pequena, enfim, continuei procurando.
Depois daquele apartamento vi pelo menos mais uns 30, mas o dito cujo não saia da minha cabeça.
A varandinha azul, as vaguinhas para visitantes ao lado, o porteiro velhinho que só sorria.
Eu estava apaixonada.
Mas não, o mundo tem tantas opções, não é mesmo Não se pode ir ficando com o primeiro que aparece, ainda mais um primeiro com tantos defeitos: a cozinha era muito antiga, a porta do banheiro batia no bidê (pra que bidê ) e a proprietária não abria mão do carpete (eu sou alérgica).
O tempo passou, prédios modernos, mais baratos, com vistas melhores e até mesmo com banheiros gigantes (eu amo banheiros) passaram, e eu nunca tirei o predinho da rua Jesuíno da cabeça.
Eu me dizia o tempo todo “o que é do homem, o bicho não come” e seguia a vida tranquila sabendo que quando finalmente chegasse a hora de me decidir, ele estaria lá esperando por mim.
Eu precisava experimentar o mundo, eu precisava conhecer outros cantos, cheiros e vistas, não, de maneira nenhuma eu poderia me deixar levar pelos sentimentos e assinar um contrato de fidelidade.
Um dia eu estaria pronta para sair de casa e ser uma mulher, um dia eu estaria pronta para não ter mais que olhar pro lado pra poder olhar pra frente.
Um dia eu poderia ser dele e então, ele seria meu.
Ontem resolvi passar por lá, não para resolver nada e nem para levar minha mudança, apenas para continuar minha paquera medrosa e distante, saber se estava tudo bem com o meu amor e esquentar um pouquinho nosso relacionamento cheios de dúvidas.
Quando fui chegando perto não pude acreditar: a placa de aluga se não estava mais lá!
Meu coração cheio de fúria não cabia dentro de mim, eu atravessei a rua correndo, apertei a campainha como um fantasma faminto inconformado com a morte mas impotente e invisível.
Depois de muito tempo o porteiro berrou sem nem se dar ao trabalho de mostrar o rosto: já tem gente morando lá, foi alugado semana passada!
Voltei para meu carro e chorei o choro mais profundo, antigo e verdadeiro que já chorei em toda a minha vida.
Um choro daqueles contidos pela eternidade.
Me recordei rapidamente de todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparada para elas, ou por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em ser permanente.
Me lembrei de vários lugares que trabalhei e acabei saindo porque era muito nova para me enterrar numa mesa de escritório dez horas por dia, mas eram lugares com pessoas, chefes e trabalhos muito divertidos e inesquecíveis.
Recordei de amigos e parentes distantes, aqueles que eu sempre deixo pra depois porque moram muito longe ou acabaram se tornando pessoas muito diferentes de mim, sempre penso “mês que vem faço contato com eles”.
E se não tiver mês que vem
Finalmente chorei todos os meus amores que acabaram, todas as portas que eu deixei entreabertas (porque sou péssima em fechá las) e que se fecharam pela vida: a maioria casou, juntou, sumiu, nem sei por onde anda.
Alguém quis fazer desses amores perdidos moradias e eu mais uma vez fiquei sem minha placa de “aluga se”.
Enfim chorei o fim de tudo, assim é a vida, uma morte a cada dia.
Depois, como sempre, limpei o rosto e continuei procurando pela minha casa.
Estar sempre insatisfeito, na verdade, é o que faz a gente nunca desistir de seguir em frente e quem sabe um dia se encontrar nesse mundo.