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Casa

Senhor, ajudai nos a construir a nossa casa
Com janelas de aurora e árvores no quintal
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas
como a roupa dos pescadores.
O que desejo é apenas uma casa.
Em verdade, Não é necessário que seja azul,
nem que tenha cortinas de rendas.
Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas.
Quero apenas uma casa em uma rua sem nome.
Sem nome, porém honrada, Senhor.
Só não dispenso a árvore,
Porque é a mais bela coisa que
nos destes e a menos amarga.
Quero de minha janela sentir
os ventos pelos caminhos, e ver o sol
Dourando os cabelos negros
e os olhos de minha amada.
Também a minha amada não dispenso, meu Senhor.
Em verdade ele é a parte mais importante deste poema.
Em verdade vos digo, e bastante constrangido,
Que sem ela a casa também eu não queria,
e voltava pra pensão.
Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos
E a dona é sempre uma senhora
do interior que tem uma filha alegre.
Eu adoro menina alegre,
e daí podeis muito bem deduzir
Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição.
Nas minhas solidões de amor e
nas minhas solidões do pecado
Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite,
E vou procurar prostitutas.
Oh, Senhor vós bem sabeis
Como amarga a vida de um
homem o carinho das prostitutas!
Vós sabeis como tudo amarga
naquelas vestes amassadas
Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas
Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti
Que eu continue sonhando com a minha casinha azul.
Permiti que eu sonhe com
a minha amada também, porque:
De que me vale ter casa sem ter
mulher amada dentro
Permiti que eu sonhe com uma que ame
andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça o
como se vê nos cinemas
O ideal seria uma que amasse fazer comparações
de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno,
gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas
O ideal seria uma menina boba:
que gostasse de ver folha cair de tarde
Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra,
E ficasse assustada quando ao cair da noite
Um homem lhe dissesse palavras misteriosas
O ideal seria uma criança sem dono,
que aparecesse como nuvem,
Que não tivesse destino nem nome
senão que um sorriso triste
E que nesse sorriso estivessem encerrados
Toda a timidez e todo o espanto
das crianças que não têm rumo

VOCÊ SABE OUVIR
Vendo de casa a quantidade de perguntas repetidas aos convocados para depor na CPMI dos Correios e mesmo algumas respostas destes, lembrei me de uma velha convicção do que observei e fui aperfeiçoando em anos de debates, comissões e reuniões.
Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está a dizer.
Vejamos:
1) Em geral não se ouve o que o outro fala: ouve se o que ele não está a dizer.
2) Não se ouve o que o outro fala: ouve se o que se quer ouvir.
3) Não se ouve exatamente o que o outro fala.
Ouve se o que já se incorporara antes a respeito do assunto falado que bloqueia a compreensão da fala alheia e faz ouvir o que já se achava ou discordava a respeito.
4) Raramente se ouve o que o outro fala.
Ouve se o que se imagina que ele iria falar.
5) Numa discussão, em geral, não se ouve o que o outro fala.
Ouve se quase que só o que se pensa para dizer em seguida.
6) Outros não conseguem ouvir o que o outro fala.
Ouvem o que gostariam que o outro dissesse.
7) Não se ouve com disponibilidade interior o que o outro fala.
Ouve se apenas o que se está sentindo em relação ao assunto debatido.
8) Não se ouve o que o outro fala.
Ouve se o que já se pensava a respeito daquilo que o outro está a falar,
9) Não se ouve plenamente o que o outro fala.
Retiram se da fala dele apenas as partes que já estavam sedimentadas dentro de si mesmo.
10) Não se ouve o que o outro fala.
Ouve se o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento ou opinião pré existente.
Ou seja, transforma se o que o outro está a falar objeto de concordância ou discordância.
11) Não se ouve o que o outro está a dizer Ouve se o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia por quem está a falar.
12) Não se ouve o que o outro fala.
Ouve se da fala dele apenas os pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vista que no momento nos estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
Ouviu