Sávio Oliveira Lopes

ALTRUÍSTA
E descobri que os sonhos podiam morrer
Quando matei os meus pelos teus naquele dia;
E entendi que podiam nascer
Quando abracei os frutos da sua fantasia.
Você se foi,
Deixando me a herança
De sonhos que não são meus.
Veja o que o altruísmo nos leva a fazer:
No final da ópera descobri
A diferença de ceder e aceitar.
Eu tenho tentado;
Tenho tentado ressuscitar
Os velhos sonhos que matei,
Correndo atrás do tempo perdido,
Carregando o peso de realizações sem sentido.

SAUDADE
A saudade
É um caminho
Que se caminha
Sem olhar para frente.
É uma água
Que cada gole
Faz aumentar a sede.
É um grito em silêncio
Na solidão
Dos desesperados.
É uma súplica
Para se ter de novo
O que foi bom
E tornou passado.

MEU AMIGO
Meu amigo veio me visitar,
Trazendo uma tristeza que tinha,
Pensando comigo achar
Palavra de animo ou alegria.
Há tempo habita em mim uma alma vazia,
Que, da audiência do bom conselho,
Opera à revelia.
Mesmo assim, fiz o que podia.
Falei: “Mantenha fé.
A felicidade tem seu dia.”
E não contei ao meu amigo
A dor que eu também sentia.
Ele foi embora melhor,
E eu pensei:
“Bom, é irônico
Um enfermo curar um doente,
Mas, mesmo em meio à dor,
Que não nos falte o amor
Capaz de fazer um coração contente.”

DIFERENÇAS
Você zombando da minha preocupação
E eu desejando a sua tranquilidade.
Extremos opostos da nossa personalidade.
Você equilibrada, eu demente;
Você fria, eu quente.
Diferenças que nos completam
E nos fazem um ao outro atraente.

Lira das tradições
Em vinte anos de vida,
Olhando minha felicidade aprisionada
Em convicções abstratas,
Que se sustentavam em colunas de medo,
Tentava eu entender as tradições
Que havia herdado.
Desprezei o pragmatismo,
E, o esquecimento do passado,
Me fazia repetir os erros,
Hospedando se em mim
Lembranças sem aprendizado.
Tenho agora todo o meu prazer buscado.
A consciência, por inteira,
Se remonta à ideia
Da privação de imortalidade.
A felicidade sem sofrimento é frágil edificada
E, se eu deixar a inquietação, perco a poesia.
A biologia que aprendi na escola
Levou me à previsão
Das mudanças fenotípicas que viriam;
Recuso tê las e elas vem sem titubear.
Apertei num abraço
O sentimento da Indesejada
E soltei a vida que havia em mim.
Livros, músicas e cidades
Que não apreciarei:
O tempo é uma especialização
Selecionada de escolhas.
Eu sei o que a minha amiga pensa de mim:
O mal da primeira impressão é que,
Quando boa,
Vincula o preocupado a viver
Das expectativas dos impressionados.
Uma tempestade
Ameaça o meu navio.
Sávio Oliveira Lopes

CALMA ALMA
Que da vida,
O medo de perdê la
Sucumba
À coragem de vivê la.
Aproveitar o tempo
E não se privar
Da felicidade do momento.
Relativizar, adaptar, perdoar
E pouco das pessoas esperar:
Onde há variação de luz
Habita as sombras,
E, só no raio do sol,
Escuridão não se encontra.
Quando há
Um pouco de dúvida na certeza,
A decepção é mais suave
Na cabeça.
Que antes morram
Os sentimentos que nos matam;
O ciclo gira, passa,
E a sorte um dia encontra
A alma calma.
Mais depressa
Leva a inércia ao abismo
Do que a perseverança
Que põe o juízo em risco.

MAIS DA VIDA
A vida bem vivida
É a que deixa boas lembranças
Depois de finda.
Ela se esvai como um vapor.
Bom é então achar sentido
Que alivie a angústia da partida.
Sentir se útil
E desejar fazer coisas boas;
Achar um dom
Que toque o coração das pessoas.
Ser orgulho para seu filho;
Exemplo para a juventude;
E ter nos lábios dos pais
Boa menção amiúde.
A vida nos devora o tempo;
Exultai, pois, o momento.
Destarte, em seu epílogo, não diremos:
Por que não a vivemos

SORTE NA VIDA
A sorte se apressa quando passa
E não espera decisão demorada;
As oportunidades perdidas
Um dia nos lançam na cara
Que tivemos a nossa chance
E não fizemos nada.

ESCOLHAS
Às vezes,
Surgem pessoas na nossa vida que,
Mesmo sem bem conhecê las,
O coração já sente que são especiais.
Às vezes,
Conhecemos outras que
Nos tocam de alguma maneira,
Mas, a velha intuição, diz:
“Não dá certo.
Besteira.”
Qual escolha será bem feita
Se, no ofício do amor,
A experiência é útil e,
Por vezes, traiçoeira
Entre o risco e a segurança,
Decida por felicidade.
Ela pode estar em uma ou outra parte.

EM PAZ
Sobre ter esperança,
Vivo a ganhar e perder.
Mas, mesmo quando a vida me derruba,
Há uma fé que não se esvai
E permanece firme na cabeça:
A de que um dia vou encontrar alguém
Que vai compensar a soma
De todas as minhas perdas.
Sem pressa, seguirei em paz.

QUANDO EU TE ENCONTRAR
Quando eu te encontrar,
Que eu seja
Um presente de Deus a ti,
E que tu sejas
O melhor que Ele reservou para mim.
Tenho consagrado minha vida
Para que seja assim.

DEUS ATEU
Eu prego amor,
E alimento ódio em meus prazeres.
Eu recomendo paz,
E fiz guerra inúmeras vezes.
Eu aconselho altruísmo,
E já me declarei egoísta.
Eu advirto humildade,
E me revelo narcisista.
Sou um deus ateu,
E quem é tão contraditório
Como eu

COLHEITA CERTEIRA
O tempo trabalha em silêncio,
Sem pressa,
Esculpe o topázio e germina a semente,
Embaixo da terra.
Também filha da mudez é a terra,
Que come com o tempo,
O defunto que se enterra.
Forma.
Desforma.
Deixa me angustiado
Inevitável religião.
Qual será o sinistro
A parar meu coração
Sozinha reina a morte
No palácio da certeza:
Se não vem prematura,
Na velhice, a qualquer hora,
Se apresenta à colheita.

PALÁCIOS DA MEMÓRIA
Quando concluo que você
Já se tornou uma página virada
Na história da minha vida,
Os palácios da memória
Evocam o passado e,
Basta uma minúcia,
Para o sentimento renascer das cinzas,
Como uma fênix.
Sinto raiva,
Dessa mutação introspectiva,
Que me deixa alienado
Às reminiscências.
Por alguns momentos
Abrando a cólera,
Quando planejo, inconsciente,
Libertar me de tudo.
Vou vivendo:
Recordando e esquecendo,
Desiludindo e acreditando,
Sustentando o lado triste
Nas lembranças tenho.

EXTUDADO
Nos olhos,
A Geografia do sonolento.
No andar,
A Física do preguicento.
No sangue,
A Química do insurgimento.
Na pele,
A Biologia do sofrimento!
Na cabeça,
A Matemática do atrasamento.
No coração,
O Português do arrependimento.
Na boca,
A História do lamento.