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Maria Alice Guimarães

Amor Bandido
Ouve se, frequentemente, mulheres dizerem “eu não sei o que foi que eu vi nesse cara”.
Ele parece não gostar de nada.Principalmente das coisas que eu aprecio.
É um chato.
Filme pra ele é bang bang ou de guerra.
Até do Jeca Tatu ele gosta.
Música, então, só com som bem alto, sertanejas, zonão de preferência.
Quando vai se vestir enfia a primeira camisa surrada que encontra no armário, mistura sapato preto com meias brancas e sai falando errado, engolindo os “esses” e os “erres”.
Sem nenhum pudor faz xixi na minha frente e fala de boca cheia.
O último livro que leu estava na quinta série e assim mesmo foi pressionado pela professora de Literatura.
Chega a ser cafajeste o jeito que o mal educado me trata A culpa de tudo o que acontece é sempre minha.
Só falta me dizer que o Bahuam engravidou a Maya porque eu emprestei a cama.
O que some foi porque eu tenho mania de esconder as coisas e quando viaja esquece o número do meu telefone na primeira esquina.
É, você, inteligente, culta, leitora assídua dos jornais diários, chegada nos clássicos da literatura universal, fã do Chico Buarque e do Caetano, organizada, bem vestida e cheirando a Natura, ama esse despropósito da natureza.
Fica por horas na cama procurando o cheiro desta coisa sem nenhuma vocação para príncipe encantado.
Quando ele está longe, então a coisa piora.
Falta a droga que inebria seus cinco sentidos.
Falta o gosto daquele beijo que só ele tem, aquela pegada que te arrepia até o dedinho do pé, aquele cheiro de pecado mortal.
É amiga, isso é a loucura chamada paixão, o tal de “amor bandido”.
Como é amor não tem referência fora do objeto desejado.
Existe em si e de si mesmo se alimenta, coisa assim meio filme de terror.
Dá medo, paralisa, eletriza, mas a gente fica ali, com medo às vezes, mas achando bom.
Por isso vai se ficando neste círculo fechado, envolvidas por este mistério que mistura paz e tormento, alegria e raiva obedecendo ao sentimento que provoca e estimula.
E dane se a razão.
Até quando nunca se sabe.
O mais provável é que ele te atormente por toda vida.
Não há, nesses casos espaços vazios para que outro o preencha e te salve.
Ninguém consegue neutralizar este encantamento.
Ele tem magia, magnetismo, está escrito nas estrelas e obedece a um alinhamento estelar, cósmico.
Quando se está perto tem se vontade de fugir, mas quando longe a sensação de alívio não vem.
No lugar instala se a dor da saudade da pele, do cheiro que só ele possui.
Dependência total.
É o amor bandido, mas você vai achar que é a coisa melhor do mundo.

Domingos de verão
Naquele verão houve entre nós uma cumplicidade feita de poucas palavras.
Éramos um turbilhão de hormônios a se procurarem meio que atrapalhados pelo barulho das águas do rio que, ali bem perto, se oferecia como alívio a quase dor que nossos jovens corpos sentiam, pela necessidade de se misturarem, impulsionados pela paixão a caro custo contida.
O lugar, menos que uma aldeia, guardava o cheiro do mato, o ar perfumado pelo odor das espigas maduras vindas do milharal do outro lado da estrada.
O som dos insetos de verão, o bicho que canta nas pitangueiras, tudo fazia parte de um cenário mágico, definitivo naquela hora.
Parecia que tudo era pra sempre.
As árvores não sairiam nunca dali, o rio manteria o leito cantando entre as pedras.
Definitivamente pela vida afora.
Mal sabíamos nós que este era apenas o prólogo de uma quase triste história e que nós a escreveríamos com a dor que os inocentes desconhecem.
Apenas sabíamos que estávamos vivos.
Tínhamos a sensação de eternidade .
Em nem um momento pensamos na possibilidade da morte.
Por que, se tudo ao nosso redor era vida, pulsava e respirava Morrer é coisa para quem é velho.
Juventude e eternidade se confundiam obedecendo às nossas emoções.
Havia silêncio no universo.
Harmonia na natureza quase selvagem daquele domingo de verão.
Posso ouvir o canto das cigarras, a timidez das nossas mãos teimando em se tocar pela ponta dos dedos.
Belos e férteis, tudo parecia nos pertencer.
Não tínhamos passado e o futuro não nos preocupava.
Tudo era suave e a vida era aquele momento.
Nada mais.
Amor feito de inocência, de curiosidade, de desejo contido, de promessas que nem sequer foram feitas, sem posse, sem nada tirar, sem nada pedir.
Apenas amor, inocente, cálido e sem culpas, feito de palavras tímidas a caro custo proferidas, sem nenhuma pressa.
Não sabíamos que a destruição existia.
Sem começo, parecendo sem fim.
Por isso imortal, sem cronologia, Um amor perfeito.
Só a inocência pode ser perfeita.
Éramos seres quase angelicais.
Compartilhamos felicidade sem saber que era nossa chance de conhecer o amor verdadeiro, que brota da alma da gente com a naturalidade com que cantam as cigarras nas tardes quentes de verão.
Bastava a escadinha modesta de madeira cheia de nós que sentávamos para conversar.
Conversas repassadas de timidez e sem nenhuma malícia.
Nosso maior pecado foi um beijo roubado numa destas tardes.
Valeu uma semana sem dormir curtindo aquele gosto doce de amor e pecado .
Havíamos transgredido as regras .
A pergunta do que seria o depois bailava na minha cabeça e me amedrontava pensar que um dia faríamos coisas, outras coisas que eu não tinha nem como imaginar quais eram
Mas ficou só nisso.
O amor ficou apenas na memória, mas numa memória que existe dentro do mais profundo sentimento, naquela parte do coração da gente onde os tesouros são escondidos.
São lembranças que não concordam em se misturar as profanas e amargas que vêm depois.
Elas são puras e sagradas e como tal devem ser guardadas como relíquias que são.
Assim eu te guardei.
E por anos a fio te conservo, intacto, acreditando que um amor como este é para sempre, intocável, imaculado, para ser vivido até a eternidade .
Só te recrimino por teres ido embora sem me dizer nada.
E por nunca mais teres voltado, senão nos meus sonhos, aqueles que acontecem sempre nas noites de domingo, nas noites de verão

CONFESSO QUE ESTOU COM RAIVA
De repente um alarme dispara dentro de você, como aqueles contra ladrões que a maioria dos carros possui.
Alguém está lhe roubando, sua paz interior foi abalada e o alarme dispara; é hora de se defender e seu instinto de conservação entra em ação.
O sentimento é de muita raiva.
Fomos atacadas e feridas naqueles sentimentos mais profundos, no fundo da alma onde guardamos nossas verdades, nossos anseios e nossos medos.
Vem o descontrole, os pensamentos ficam confusos e o coração parece querer saltar pela boca.
A raiva é mais ou menos isso.
Uma síndrome quase patológica que abala de vez nosso emocional e se reflete, muitas vezes, nas reações físicas.
E sentir se mal é só o começo.
O pior que a monstrinha vem acompanhada de irritação, sede de vingança e uma cólera que deixaria um pit bull com vergonha.
Mas quem vai ficar com vergonha é a gente mesma e não vai demorar muito, afinal mulher educada, equilibrada não tem direito de ficar com essa raiva toda só porque foi vítima de uma frágil mentirinha.
Perder o equilíbrio se até libriana você é Mas perdeu.
E ficou simplesmente furiosa, detestavelmente irada, abalada e com todas as baterias voltadas para o seu agressor.
Ninguém tomou vacina contra este tipo de raiva e não tem imunidade contra ela.
Vai ter que elaborar este sentimento incapacitante e negativo.
Abalada recolhe se para não dar vexame perante as pessoas com as quais convive.
Afinal, descontrole emocional não fica bem numa mulher madura, independente e que se impõe pela serenidade e sofre em ver sua imagem arranhada por perder a razão.
Ninguém está livre de sentir se assim em um dado momento da vida.
Todos os sentimentos humanos existem dentro da gente e, muitas vezes, precisa muito pouco para que eles aflorem e provoquem uma avalanche derrubando as comportas que os detém.
É normal perder se as estribeiras quando nos sentimos traídas e enganadas.
Todo mundo, em um dado momento passa por isto.
O ego, poderoso como é, potencializa o sentimento de orgulho ferido.
Por isto é que sentimos raiva, pela vergonha de nos deixarmos iludir e enganar, como se nossa fosse a culpa, assumimos um erro que na maioria das vezes não colaboramos para que acontecesse.
É hora de baixar a adrenalina, fazer o caminho de volta à calma, respirar fundo e até exercitar um perdãozinho básico.
Dizer a si mesma “essa raiva não me pertence”, já é um bom começo para livrar se dela.
Permanecer magoada, furiosa e humilhada, pensar que se é uma idiota de carteirinha é exagero que só faz mal.
Raiva tem prazo de validade e vai passar.Em si mesma não é uma coisa nem boa nem má.
É apenas a maneira que nossos sentimentos encontram para livrar se da dor que causa um latrocínio amoroso, de uma ingratidão ou de uma injustiça.
Se for preciso chorar vamos às lágrimas, se gritar alivia a raiva, que se grite bem alto.
Se a solução for devolver à fonte faça um belo pacote de presente e mande entregar ao seu agressor, mas tome as precauções necessárias, não vale “pagar mico”.
Vingancinha branca até pode, mas não deixe que evolua para um sentimento mais forte de ódio ou rancor.
Isto só faria sofrer mais.
Dizer as si mesma “não gosto de estar me sentindo assim”, olhar se no espelho e conferir com sua própria imagem seus sentimentos, colocar se nos trilhos e seguir em frente.
Passou.
É, meninas, acho que andei lendo muitos livros de auto ajuda, mas como sentir raiva é coisa por demais humana não tem mal nenhum a gente refletir sobre isto.
Pensando bem, também solucionamos nossas pendências afetivas e redimimos nossas emoções negativas quando as encaramos, corajosamente