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Maria Alice Guimarães

Domingos de verão
Naquele verão houve entre nós uma cumplicidade feita de poucas palavras.
Éramos um turbilhão de hormônios a se procurarem meio que atrapalhados pelo barulho das águas do rio que, ali bem perto, se oferecia como alívio a quase dor que nossos jovens corpos sentiam, pela necessidade de se misturarem, impulsionados pela paixão a caro custo contida.
O lugar, menos que uma aldeia, guardava o cheiro do mato, o ar perfumado pelo odor das espigas maduras vindas do milharal do outro lado da estrada.
O som dos insetos de verão, o bicho que canta nas pitangueiras, tudo fazia parte de um cenário mágico, definitivo naquela hora.
Parecia que tudo era pra sempre.
As árvores não sairiam nunca dali, o rio manteria o leito cantando entre as pedras.
Definitivamente pela vida afora.
Mal sabíamos nós que este era apenas o prólogo de uma quase triste história e que nós a escreveríamos com a dor que os inocentes desconhecem.
Apenas sabíamos que estávamos vivos.
Tínhamos a sensação de eternidade .
Em nem um momento pensamos na possibilidade da morte.
Por que, se tudo ao nosso redor era vida, pulsava e respirava Morrer é coisa para quem é velho.
Juventude e eternidade se confundiam obedecendo às nossas emoções.
Havia silêncio no universo.
Harmonia na natureza quase selvagem daquele domingo de verão.
Posso ouvir o canto das cigarras, a timidez das nossas mãos teimando em se tocar pela ponta dos dedos.
Belos e férteis, tudo parecia nos pertencer.
Não tínhamos passado e o futuro não nos preocupava.
Tudo era suave e a vida era aquele momento.
Nada mais.
Amor feito de inocência, de curiosidade, de desejo contido, de promessas que nem sequer foram feitas, sem posse, sem nada tirar, sem nada pedir.
Apenas amor, inocente, cálido e sem culpas, feito de palavras tímidas a caro custo proferidas, sem nenhuma pressa.
Não sabíamos que a destruição existia.
Sem começo, parecendo sem fim.
Por isso imortal, sem cronologia, Um amor perfeito.
Só a inocência pode ser perfeita.
Éramos seres quase angelicais.
Compartilhamos felicidade sem saber que era nossa chance de conhecer o amor verdadeiro, que brota da alma da gente com a naturalidade com que cantam as cigarras nas tardes quentes de verão.
Bastava a escadinha modesta de madeira cheia de nós que sentávamos para conversar.
Conversas repassadas de timidez e sem nenhuma malícia.
Nosso maior pecado foi um beijo roubado numa destas tardes.
Valeu uma semana sem dormir curtindo aquele gosto doce de amor e pecado .
Havíamos transgredido as regras .
A pergunta do que seria o depois bailava na minha cabeça e me amedrontava pensar que um dia faríamos coisas, outras coisas que eu não tinha nem como imaginar quais eram
Mas ficou só nisso.
O amor ficou apenas na memória, mas numa memória que existe dentro do mais profundo sentimento, naquela parte do coração da gente onde os tesouros são escondidos.
São lembranças que não concordam em se misturar as profanas e amargas que vêm depois.
Elas são puras e sagradas e como tal devem ser guardadas como relíquias que são.
Assim eu te guardei.
E por anos a fio te conservo, intacto, acreditando que um amor como este é para sempre, intocável, imaculado, para ser vivido até a eternidade .
Só te recrimino por teres ido embora sem me dizer nada.
E por nunca mais teres voltado, senão nos meus sonhos, aqueles que acontecem sempre nas noites de domingo, nas noites de verão

PODEROSAS
Quem gosta de liberdade tem que aprender a conviver com a solitude.
Ela pode ser uma boa companheira.
Basta experimentar.
Vale a pena.
Diferente da solidão que carrega o estigma de ser triste, de ter cheiro de abandono, a solitude é amena e é uma opção pessoal, coisa de mulher moderna.
De mulher poderosa, como se diz por aí.
De todas as idades, mas principalmente as maduras, que já aprenderam as duras lições da vida, essas moças bonitas, charmosas e atraentes dirigem seu próprio carro comprado com o esforço de seu trabalho, viajam sozinhas, vão da cozinha ao cinema sem medo de ser feliz.
Tudo isto ostentando um belo sorriso emoldurado por uma boca pintada com batom vermelho.
Vestem roupas da moda, primam pela qualidade, abanam cabelos sedosos ao vento deixando atrás de si um rastro de perfume francês.
Pagam suas despesas com cartões de crédito que exibem nas mesas dos bares e restaurantes onde almoçaram, jantaram ou apenas tomaram uma cervejinha gelada.
Sem nenhum constrangimento por exporem ao mundo sua solitude.
Para essas sacerdotisas contemporâneas seu templo é o mundo e nele não há clausuras.
Não lhes falta amigos, familiares e namorados, mas preferem dividir a alegria de viver consigo próprias e com ninguém mais, como uma espécie de desagravo às suas ancestrais amordaçadas.
Nada de egoísmo, apenas usufruir daquela sensação gostosa de”sentir se donas de seu próprio nariz”.
Já foi se o tempo do “eu só vou se você for”.
E olha que não faz tanto tempo assim que mulher nem era cidadã, não votava, não tinha CPF nem carteira de motorista.
Fumar, então, era coisa de mulher dama (como eram chamadas as prostitutas).
Beber, só refrigerante, usar calças compridas um escândalo.
Tudo coisa do passado, graças a Deus.
Hoje já se pode dizer que as mulheres são livres, mesmo que ainda haja quem se preste a discordar.
Concordar ou discordar é de foro íntimo, individual.
O que importa é que a roda da vida girou e faz se necessário viver e fazer se feliz.
Correr riscos faz parte do processo.
Uma geração inteira de mulheres corajosas arriscou sua reputação para que se chegasse até aqui imunes aos falatórios maldosos de poucos anos atrás.
Mulher é fêmea da natureza; livre para voar e buscar o que achar melhor para o seu momento, fazer suas escolhas, trilhar sua estrada.
É preferível colidir com um muro de concreto do que não viver.