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Luis Fernando Veríssimo

Peça infantil
A professora começa a se arrepender de ter concordado (”você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi.
é como um sinal.
todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.
Está bem, mas só as fadinhas diz a professora.
e uma de cada vez!
Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.
Uma de cada vez! uma de cada vez! E você, onde é que pensa que vai
Ao banheiro.
Não vai, não.
Mas tia
Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio.
em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador.
Volte para o seu lugar.
Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa.
Serve uma toalha
Não.
Você vai ser o único de capa branca.
É melhor tirar o tapa olho e ficar de anão.
Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem.
Por que você está chorando
Eu não quero ser anão.
Então fica de lavrador.
Posso ficar com o tapa olho
Pode.
Um lavrador de tapa olho, tudo bem.
Tia, onde é que eu fico
É uma margarida.
Você fica ali.
A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas.
Atenção, margaridas! Todas ali.
Você não.
Você é coelhinho.
Mas meu nome é Margarida.
Não interessa! desculpe, a tia não quis gritar com você.
atenção, coelhinhos.
todos comigo.
Margaridas ali, coelhinhos aqui.
lavradores daquele lado, árvores atrás.
árvore, tira o dedo do nariz.
Onde é que estão as fadinhas Que xixi mais demorado!
Eu vou chamar.
Fique onde está, lavrador.
Uma das margaridas vai chamá las.
Já vou.
Você não, Margarida! Você é coelhinho.
Uma das margaridas.
Você.
Vá chamar as fadinhas.
Piratas, fiquem quietos!
Tia, o que é que eu sou Eu esqueci o que eu sou.
Você é o sol.
Fica ali que depois a tia piratas, por favor!
As fadinhas começam a voltar.
Com problemas.
muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá los.
Ajudam se mutuamente mas no seu nervosismo só pioram a confusão.
Borboletas, ajudem aqui! pede a professora.
Mas as borboletas não ouvem.
As borboletas estão etéreas.
As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus e não ligam para o mundo.
A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas.
Piratas, parem.
O próximo que der um pontapé vai ser anão.
Desastre: quebrou uma ponta da lua.
Como é que você conseguiu isso pergunta a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.
Foi ela!
A acusada é uma camponesa gorda que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores.
Não tem remédio.
tira isso da cabeça e fica com os anões.
E a minha frase
A professora tinha esquecido.
A lua tem uma fala.
Quem diz a frase da lua é, deixa ver o relógio.
Quem
O relógio.
Cadê o relógio
Ele não veio.
O quê
Está com caxumba.
Ai, meu Deus.
Sol, você vai ter que falar pela lua.
Sol, está me ouvindo
Eu
Você, sim senhor.
Você é o sol.
Você sabe a fala da lua
Me deu uma dor de barriga.
Essa não é a frase da Lua.
Me deu mesmo, tia.
Tenho que ir embora.
Está bem, está bem.
Quem diz a frase da lua é você.
Mas eu sou caçador.
Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da lua! Eu não quero discussão!
Mas eu não sei a frase da lua.
Piratas, parem!
Piratas, parem! certo
Eu não estava falando com você.
Piratas, de uma vez por todas
A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata.
A classe unida avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore.
As borboletas esvoaçam.
Os coelhinhos estão em polvorosa.
A professora grita:
Parem! parem! A cortina vai abrir.
Todos a seus lugares.
Vai começar!
Mas, tia, e a frase da lua
“Boa noite, sol”.
Boa noite.
Eu não estou falando com você!
Eu não sou mais o sol
É.
Mas eu estava dizendo a frase da lua.
“Boa noite, sol.”
Boa noite, sol.
Boa noite, sol.
Não vou esquecer.
Boa noite, sol
Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores.
Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo.
Coelhinhos nos seus lugares.
Árvores para trás.
Fadinhas, aqui.
Borboletas, esperem a deixa.
Margaridas, no chão.
Todos se preparam.
Você não, Margarida! Você é o coelhinho!
Abre o pano.

Declaração de Amor
Tentei dizer o quanto te amava, aquela vez,
baixinho mas havia uma grande berreira,
um enorme burburinho e, pensado bem,
o berçário não era o melhor lugar.
Você de fraldas, uma graça, e eu pelado lado a lado,
cada um recém chegado você sem saber ouvir,
eu sem saber falar.
Tentei de novo, lembro me bem, na escola.
Um PS no bilhete pedindo cola interceptado
pela professora como um gavião.
Fui parar na sala da diretora e depois na rua
enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua.
A vida é curta, longa é a paixão.
Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:
"Eu te adoro, te venero, na tua frente fico mudo"
E você não disse nada.
E você não disse nada.
Só mais tarde, de ressaca, atinei.
Cheio de amor e Cuba,
me enganei e disse tudo para uma almofada.
Gravei, em vinte árvores, quarenta corações.
O teu nome, o meu, flechas e palpitações:
No mal me quer, bem me quer, dizimei jardins.
Resultado: sou persona pouco grata corrido a gritos de
"Mata! Mata! " por conservacionistas, ecólogos e afins.
Recorri, em desespero, ao gesto obsoleto:
"Se não me segurarem faço um soneto"
E não é que fiz, e até com boas rimas
Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo.
Mas fui premiado num concurso em Minas.
Comecei a escrever com pincel e piche num muro branco,
o asseio que se lixe, todo o meu amor para a tua ciência.
Fui preso, aos socos, e fichado.
Dias e mais dias interrogado:
era PC < PC do B ou alguma dissidência
Te escrevi com lágrimas, sangue, suor e mel
(você devia ver o estado do papel)
uma carta longa, linda e passional.
De resposta nem uma cartinha
nem um cartão, nem uma linha!
Vá se confiar no Correio Nacional.
Com uma serenata, sim, uma serenata
como nos tempos da Cabocla Ingrata me declararia,
respeitando a métrica.
Ardor, tenor, a calçada enluarada
havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica.
Decidi, então, botar a maior banca no
céu escrever com fumaça branca:
"Te amo, assinado.." e meu nome bem legível.
Já tinha avião, coragem, brevê tudo para
impressionar você mas veio a crise, faltou o combustível.
Ontem você me emprestou seu ouvido e na discoteca,
em meio do alarido, despejei meu coração.
Falei da devoção ha anos entalada e você disse
Disse "eu não escuto nada".
Curta é a vida, longa é a paixão.
Na velhice, num asilo, lado a lado em meio a um silêncio
abençoado direi o que sinto, meu bem.
O meu único medo é que então empinando a orelha com a
mão você me responda só: "Heim "

Tecnologia
Para começar, ele nos olha nos olha na cara.
Não é como a máquina de escrever, que a gente olha de cima, com superioridade.
Com ele é olho no olho ou tela no olho.
Ele nos desafia.
Parece estar dizendo: vamos lá, seu desprezível pré eletrônico, mostre o que você sabe fazer.
A máquina de escrever faz tudo que você manda, mesmo que seja a tapa.
Com o computador é diferente.
Você faz tudo que ele manda.
Ou precisa fazer tudo ao modo dele, senão ele não aceita.
Simplesmente ignora você.
Mas se apenas ignorasse ainda seria suportável.
Ele responde.
Repreende.
Corrige.
Uma tela vazia, muda, nenhuma reação aos nossos comandos digitais, tudo bem.
Quer dizer, você se sente como aquele cara que cantou a secretária eletrônica.
É um vexame privado.
Mas quando você o manda fazer alguma coisa, mas manda errado, ele diz “Errado”.
Não diz “Burro”, mas está implícito.
É pior, muito pior.
Às vezes, quando a gente erra, ele faz “bip”.
Assim, para todo mundo ouvir.
Comecei a usar o computador na redação do jornal e volta e meia errava.
E lá vinha ele: “Bip! ” “Olha aqui, pessoal: ele errou.” “O burro errou! ”
Outra coisa: ele é mais inteligente que você.
Sabe muito mais coisa e não tem nenhum pudor em dizer que sabe.
Esse negócio de que qualquer máquina só é tão inteligente quanto quem a usa não vale com ele.
Está subentendido, nas suas relações com o computador, que você jamais aproveitará metade das coisas que ele tem para oferecer.
Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando outro igual a ele o estiver programando.
A máquina de escrever podia ter recursos que você nunca usaria, mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só agüentava os humanos por falta de coisa melhor, no momento.
E a máquina, mesmo nos seus instantes de maior impaciência conosco, jamais faria “bip” em público.
Dito isto, é preciso dizer também que quem provou pela primeira vez suas letrinhas dificilmente voltará à máquina de escrever sem a sensação de que está desembarcando de uma Mercedes e voltando à carroça.
Está certo, jamais teremos com ele a mesma confortável cumplicidade que tínhamos com a velha máquina.
É outro tipo de relacionamento, mais formal e exigente.
Mas é fascinante.
Agora compreendo o entusiasmo de gente como Millôr Fernandes e Fernando Sabino, que dividem a sua vida profissional em antes dele e depois dele.
Sinto falta do papel e da fiel Bic, sempre pronta a inserir entre uma linha e outra a palavra que faltou na hora, e que nele foi substituída por um botão, que, além de mais rápido, jamais nos sujará os dedos, mas acho que estou sucumbindo.
Sei que nunca seremos íntimos, mesmo porque ele não ia querer se rebaixar a ser meu amigo, mas retiro tudo o que pensei sobre ele.
Claro que você pode concluir que eu só estou querendo agradá lo, precavidamente, mas juro que é sincero.
Quando saí da redação do jornal depois de usar o computador pela primeira vez, cheguei em casa e bati na minha máquina.
Sabendo que ela agüentaria sem reclamar, como sempre, a pobrezinha.