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Gabriel Chalita

POIS É
A verdade pode durar uma vida inteira, perseguir uma mulher madura, assaltada de lembranças provocadas por uma amiga que mexe com uma varinha "o fundo lodoso da memória".
E, de repente, a avó percebe uma convulsão na sua realidade, porque de repente outra verdade se sobrepõe.
Explica.
Reduz.
E ao mesmo tempo amplia.
Pois é.
A verdade, em Lygia Fagundes Telles, é tão crua quanto esclarecedora.
O que está em seus contos é a vida, sua própria e de outros, tão real e tátil como o chão áspero de cimento.
Reli, com assombro renovado, seu Papoulas em feltro negro, que ela incluiu no livro "Meus contos preferidos".
Em onze páginas, Lygia roteiriza, organiza, sumariza, romantiza, anarquiza e enfim suaviza e cicatriza uma vida inteira.
Ojeriza.
Fuga.
Medo.
Ansiedade.
Mentira.
Não foi sem intenção que a narrativa das memórias suscitadas por um telefonema se concentre na latrina do colégio.
Era o ponto da tangência.
O ponto da fuga.
A casinha fedorenta era melhor do que a sala de aula, com aquela presença esmagadora, opressora da professora castradora.
Mentira! Tão bem dissimulada que pareceu verdade, por cinqüenta anos.
E a verdade, um dia, lhe atinge a face como a aba de um chapéu de feltro, ornado de papoulas desmaiadas.
A memória é sinestésica.
E os elementos formais estão ali, polvilhados no conto de Lygia, a declarar a ação dos sentidos.
O tato da memória traz a aspereza do giz, o suor das mãos, o pé que esfrega a mancha queimada de cigarro no tapete.
A audição da memória pede que se repita a Valsa dos Patinadores, como se repetiu a lembrança pela voz da companheira sessenta e oito, da escola primária.
Mas o cheiro da memória remete, primeiro, a urina.
A latrina escura.
E eis a visão da memória a denunciar a obliteração.
Negro quadro negro.
Trança negra.
Saia negra.
Feltro negro.
No meio do negrume, o sol reflete o seu fulgor majestoso na vidraça.
É o esplendor do flagrante descobrimento.
"O sol incendiava os vidros e ainda assim adivinhei em meio do fogaréu da vidraça a sombra cravada em mim." Dissimulação mesmo em meio a tanta luz, há uma sombra.
É uma sombra que persegue a personagem até o reencontro com a professora.
Sombra, por definição, é uma imagem sem contornos nítidos, sem clareza.
Como a professora, morta viva, "invadindo os outros, todos transparentes, meu Deus! " E Deus, que sombra é esta a que chamamos Deus
Pois é.
Neste conto de Lygia, o gosto da memória, ou a memória do gosto, está ausente.
Não se manifesta o sabor.
Por que não se manifestou o saber, é por isso
O conto é partícula de vida.
É meio primo da História.
Mais do que eventos, registra caráter, caracteres, costumes, clima, ambiente, formas, cores, preferências, gostos.
O conto é uma das modalidades da história feita arquivo.
Por isso conto, contas, contamos.
O conto oral é o livro em potência, a história em potência.
Ambos pertencem a quem os usa, e a quem de seus exemplos faz uso.
A escola deve ensinar a ler.
Mas também deve ensinar a ouvir.
Por isso, também na escola, que é um complemento da família, é preciso haver quem conte histórias.
Como Lygia, que nos faz lembrar que é preciso haver a lembrança de uma infância vivida, o acalanto de uma voz querida, contando histórias, ilustrando a vida.
Lygia é de uma franqueza pontiaguda.
Este conto, em especial, é uma escancarada confissão de humanidade.
A personagem é Lygia, ou qualquer um de nós.
A personagem é frágil.
Conquanto pensasse, a vida inteira, que era forte.
Imaginava se executora.
Conquanto pensasse, a vida inteira, que era executada.
Humana, enfim.
Eis a verdade.
Eis Lygia.
Pois é.
Jornal das Letras, edição de agosto de 2007

NO LABORATÓRIO DA VIDA
A educação não precisa necessariamente se realizar dentro de uma sala de aula.
O cotidiano da vida é um excelente laboratório, em que se vão misturando doses de atitudes, ações e reações, até encontrar o aristotélico meio termo.
Mas um dos ingredientes mais fundamentais de qualquer dessas misturas é, sem dúvida, o respeito.
O respeito tem que estar presente em qualquer experimento social ou mesmo individual.
Isto porque, quem não tem amor próprio, quem não se respeita, corre o risco de perder o sentido da vida.
A dignidade nasce do respeito que forma o caráter e determina uma vida condizente com ele.
Há numerosas histórias de pessoas que se encontraram em situações em que poderiam levar vantagem ilícita, sem que ninguém soubesse e sem que nunca fossem descobertas.
Os desfechos de algumas dessas histórias seguem a lógica da esperteza "já que posso passar impune, por que não aproveitar a ocasião " Outros seguem uma lógica mais profunda, que respeita a consciência.
"Pode ser que ninguém veja, mas eu estou vendo" reagirá aquele que se respeita.
Na ótica do laboratório vital, aquele que não se respeita não será respeitado.
Respeito é palavra que significa, na sua origem latina (respectus), a ação de olhar para trás.
A palavra demonstra, claramente, que a pessoa dotada de respeito é aquela que não esquece o que passou, não se esquece de quem ficou para trás porque envelheceu, morreu ou sofreu.
Geralmente se utiliza a palavra respeito para definir a atitude desejável diante de pessoas mais velhas, porque mais vividas, mais sofridas.
Merecem, por um cansaço físico, passar à frente nas filas, ter primazia nos transportes, receber atendimento prioritário em hospitais e bancos e em outros serviços públicos ou privados.
Isso não significa que devam ser tratados com pena, mas com dignidade.
Inclusive no mercado de trabalho.
Talvez não tenham a mesma força física.
Têm, entretanto, geralmente, mais sabedoria.
Viveram mais, experimentaram maiores perdas, amadureceram.
Mas também merece respeito a criança, um ser em formação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente traz um corolário dos direitos de que são detentoras essas crianças.
Essa lei traz proibições inclusive para os pais e outros educadores.
Traz exigências ao próprio Estado quanto ao atendimento das necessidades das crianças.
Elas não podem ser humilhadas nem agredidas.
Em outras palavras, precisam ser respeitadas.
Merece respeito o trabalhador, independentemente de sua profissão.
Como é bom trabalhar em um ambiente em que as pessoas respeitam e são respeitadas, em que há hierarquia, mas não humilhação ou prepotência.
Merece respeito a mulher que não pode, por conta de uma desvantagem física (há exceções, é claro) se submeter ao marido agressor.
Multiplicam se os casos de violência doméstica que causam indignação e dor.
A covardia do mais forte é intolerável.
Merece respeito todo cidadão, pelos impostos que paga, pelas obrigações que não pode deixar de cumprir.
Desrespeita o cidadão o político corrupto, o mentiroso, o demagogo.
Desrespeita o cidadão o político que age em interesse próprio ou aquele que é ineficiente na utilização do dinheiro que não lhe pertence.
Merecem respeito todas as pessoas.
E isso se aprende em casa, na escola, na vida.
E a melhor lição é que é possível vencer sem destruir os próprios princípios.
É preciso respeitar os limites, as diferenças, as perdas.
É preciso compreender que cada um é diferente.
Quantos há que querem mudar tudo em si mesmo, com a intenção de agradar ao outro.
Isto é falta de respeito próprio.
Será que o outro teria a mesma disposição em mudar tudo para me agradar Se tiver, tome cuidado.
Quem não respeita a si mesmo não há de respeitar o outro também.
O mais interessante é que essas coisas são tão simples, tão óbvias e exatamente por isso merecem ser repetidas o tempo todo, como uma composição química testada e comprovada.
Porque o difícil é ser simples.
Respeito.
No laboratório da vida, vale nos dois sentidos: comigo e com o outro.
De mim para mim; do outro para o outro; de mim para o outro, e do outro para mim.
Revista Profissão Mestre, setembro/2007

Nova Febem: educação, recuperação e liberdade
" ( ) Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta:/que não há ninguém que explique,/ e ninguém que não entenda! /".
Esses belíssimos versos extraídos do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, são perfeitos para ilustrar o novo conceito de recuperação de adolescentes em conflito com a lei atendidos pela Febem.
Trata se de uma proposta ousada, moderna, fundamentada na expansão de unidades de semiliberdade, administradas pelo Governo do Estado, em parceria com entidades não governamentais, dando início a um sistema de co gestão.
Um exemplo disso é a recente inauguração do Espaço Educacional Profissionalizante da Febem, que já está funcionando desde o último dia 15, no prédio do antigo presídio do Hipódromo.
Nessa unidade caberão à Febem as atribuições pertinentes ao Estado: dirigir e supervisionar todo o funcionamento de contenção dos adolescentes.
Já a organização parceira da entidade, o Instituto Mamãe Associação de Assistência à Criança Santamarense, contará com o apoio de um conselho gestor e irá desenvolver as atividades pedagógicas voltadas à ressocialização do jovem.
O novo prédio tem capacidade para atender, inicialmente, 200 alunos.
Para o segundo semestre, a previsão é ampliar esse número, de modo que 400 adolescentes tenham acesso aos benefícios do Espaço Educacional.
É preciso ressaltar que os primeiros 40 aprendizes serão escolhidos dentro da Unidade de Semiliberdade Inicial, que abriga adolescentes que nunca haviam passado pela Febem e que receberam a semiliberdade como primeira medida determinada pelo Judiciário.
A principal diferença entre essa unidade e as demais é que o adolescente receberá um atendimento ainda mais completo, sob a forma de aulas do ensino regulamentar (Fundamental e Médio) e também dos cursos profissionalizantes panificação, estética, manutenção de computadores, gráfica , perfazendo oito horas de estudos, no período diurno.
Ao final do dia, os estudantes devem retornar para casa.
Nas outras unidades de semiliberdade, o processo ocorre de forma inversa.
Os jovens ficam fora o dia todo para trabalhar e estudar e retornam para a Febem à noite.
Outra novidade capaz de revolucionar positivamente a vida desses jovens diz respeito à Orientação do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), instituição que irá propiciar aos adolescentes ensinamentos e informações indispensáveis sobre empreendedorismo e visão de negócios, qualificações oportunas à juventude do século XXI.
O projeto encerra, ainda, outro aspecto inovador e essencial à ressocialização desses meninos: todos poderão prestar serviços à comunidade local, vendendo pães e consertando aparelhos eletrônicos a um custo bem menor do que aquele oferecido pelo mercado.
Estamos convictos de que os adolescentes podem ser totalmente recuperados, desde que recebam oportunidades concretas de aprendizado, crescimento e desenvolvimento de seus talentos, habilidades e competências.
A cada dia, os profissionais da Secretaria de Estado da Educação e das unidades da Febem se surpreendem com a determinação e a vontade de superar limites demonstradas por esses adolescentes nas oficinas pedagógicas, profissionalizantes e culturais que acontecem de forma simultânea em todas as nossas unidades.
Que esses jovens do Espaço Educacional e Profissionalizante também nos surpreendam, da mesma forma que as moças e rapazes de outras unidades da Febem.
Adolescentes que mudaram o rumo da sua história e que, por isso mesmo, já têm emprego garantido em grandes empresas e instituições como o Empório Ravioli, o Mc Donald's, o Mister Sheik, o COC e a própria Secretaria de Estado da Educação.
Jovens que despertaram para a arte e que nos comovem em suas apresentações de canto, teatro e música instrumental Nossa proposta inovadora tem o aval do mestre Anísio Teixeira, que em seu texto Por Que Escola Nova sabiamente afirmou: "À medida que formos mais livres, que abrangermos em nosso coração e em nossa inteligência mais coisas, que ganharmos critérios mais finos de compreensão, nessa medida nos sentiremos maiores e mais felizes.
A finalidade da educação se confunde com a finalidade da vida".
Esse é o lema que norteia o novo conceito da Febem.
E você é nosso convidado para conhecer as unidades, assistir às apresentações dos aprendizes e, principalmente, compartilhar do sonho de construir, pedra por pedra, as bases da fundação dessa nova geração.
Uma geração composta por seres humanos que, um dia, erraram como todos nós erramos , mas que souberam fazer disso uma grande lição e uma ponte para a conquista da dignidade.
Publicado no Jornal da Tarde

Por uma educação poética
Em seu poema "Belo Belo", publicado na obra Lira dos cinqüent'anos, o poeta Manuel Bandeira dispara: "Não quero amar,/Não quero ser amado./Não quero combater,/Não quero ser soldado/.
Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples/.
Por meio do discurso dessa autoridade incontestável da seara das letras, impregnado de uma sabedoria que a maioria de nós busca alcançar, nos sentimos propensos a refletir sobre a grandeza existente nas coisas singelas e a forma como elas conduzem nossos corações e mentes para o caminho do que é realmente importante à existência humana.
Possibilitar essa visão apurada da vida é contribuir para o entendimento de que a felicidade é composta pelas ações e sensações presentes nas coisas mais corriqueiras.
Esse aprendizado deve ser, ou pelo menos deveria, um dos objetivos primeiros da educação.
Nas disciplinas do currículo regular, na abordagem dos temas transversais, nas numerosas atividades que devem configurar o ano letivo das escolas semanas culturais, gincanas, passeios, comemorações cívicas , é necessário que os educadores propiciem aos seus aprendizes a consciência do que é o bem, o bom e o belo.
Até porque essa tríade, capaz de dotar o espírito e a mente humana do viço e da energia essenciais à edificação de ideais nobres, cria um círculo virtuoso fundamental à convivência social pacífica, ao desenvolvimento do caráter ético e ao fortalecimento de valores como: honestidade, lealdade, respeito, civilidade, fraternidade, solidariedade e senso de justiça.
Essas e tantas outras percepções e virtudes provêm do aprendizado adquirido na família e também das influências recebidas pelo meio.
É aí que entra o papel da escola e o trabalho sensível dos educadores.
Mestres são também maestros.
Regentes cuja missão é ensinar aos músicos/aprendizes a ler as partituras da vida equilibrando razão e emoção, competência técnica e amor.
Para isso, há que se despertar os educandos para o singelo, para a verdade e para a beleza essencial de todas as coisas.
Em seus versos irretocáveis, Manuel Bandeira sintetiza parte dos conceitos filosóficos descritos por Platão a respeito do belo, tanto em seu texto Fedro, quanto em República.
No primeiro, o filósofo nos diz: " ( ) na beleza e no amor que ela suscita, o homem encontra o ponto de partida para a recordação ou a contemplação das substâncias ideais".
Já em sua República, Platão compara o bem ao Sol, que dá aos objetos não apenas a possibilidade de serem vistos, como também a de serem gerados, de crescerem e de nutrir se.
O pensamento filosófico e a poesia não oferecem mapas ou guias para a felicidade.
Muito melhor do que isso, apontam caminhos para que possamos ter o prazer de encontrá la pelos nossos próprios esforços.
Assim deve ocorrer também com a educação, cujo compromisso maior precisa ser o de proporcionar escolhas, opções de rota, além de fornecer aos seres em formação os instrumentos básicos para as suas jornadas pessoais.
Mestres e aprendizes têm de compartilhar a fascinante aventura da troca e da descoberta, de modo que, juntos, ampliem a capacidade de olhar as paisagens da vida com os olhos de ver Carlos Drummond de Andrade outro mestre sagrado da poesia já falava sobre isso em seu belíssimo poema "A flor e a náusea", do livro A rosa do povo: "Uma flor nasceu na rua! /( )Uma flor ainda desbotada/ilude a polícia, rompe o asfalto./Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/garanto que uma flor nasceu./( )É feia.
Mas é uma flor.
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio/." Essa visão privilegiada dos poeta, dos grandes visionários e filósofos tem de estar no cerne das propostas educacionais.
Seja nas instituições de ensino superior, seja nas escolas da rede pública ou privada, nos colégios da periferia, quiosques, cabanas e ocas em que a educação transcende as carências de infra estrutura física e material e se dá por meio do altruísmo de milhares de mestres que habitam os mais variados rincões do País É preciso utilizar uma pedagogia que revele o bom, o bem e o belo em sua essência primeva.
No ensaio "Inquietudes na poesia de Drummond", do livro Vários Escritos, o professor Antonio Candido discorre sobre o que chama de "função redentora da poesia".
É esse o alerta e o norte necessário à educação de excelência.
No dia a dia da sala de aula, no vaivém do processo ensino aprendizagem, no ritmo alucinante da busca pelo saber, é necessário encontrar um tempo para ler, reler e resgatar, enfim, os dizeres dos grandes filósofos e poetas, de modo que possamos nos educar e educar aos demais para olhar o asfalto e, ainda assim, poder enxergar a flor.
Publicado na Folha de S.
Paulo

A revolução da rede
"A boa educação é moeda de ouro, em toda parte tem valor." A afirmação, proferida há séculos pelo padre Antônio Vieira, parece adquirir, a cada dia, um significado ainda mais contundente e atual.
Isso se deve ao fato de estarmos vivenciando uma época sem precedentes na História.
Um período tão complexo quanto fascinante porque oferece na mesma proporção um sem número de possibilidades e de incertezas.
Em meio a esse quadro inacabado que esboça um futuro nebuloso, quem não dispõe de um ensino de qualidade torna se um sério candidato à exclusão social gradativa.
Explica se: não há mais lugar para amadores na galeria do século 21.
Nesse sentido, é papel das três esferas do Governo e de todos os segmentos da sociedade civil organizada mobilizarem se para propiciar uma educação de excelência às nossas crianças e jovens.
Para que isso ocorra, os investimentos no setor precisam ter caráter prioritário e, em paralelo, deve haver a ampliação e o aprimoramento de parcerias entre escolas, empresas, fundações, ONGs e outras instituições.
A participação efetiva dos pais e da comunidade do entorno escolar nas unidades educacionais é outro ponto importante desse processo, bem como a concentração de esforços por parte dos educadores e demais atores sociais em torno da concepção e da implementação dessa educação eficaz e cidadã.
Juntas, essas ações irão possibilitar a devida formação do capital intelectual brasileiro, constituído pelas novas gerações a partir do desenvolvimento de suas habilidades cognitivas, sociais e emocionais.
Trata se de instrumentalizar esses jovens para que elevem o Brasil a uma posição de destaque no cenário competitivo e globalizado do novo milênio.
Trata se de orientá los para o resgate dos valores essenciais à vida em sociedade, de forma que a paz e a fraternidade imperem no lugar da violência, da intolerância e dos conflitos generalizados.
Trata se de capacitá los para o exercício pleno de sua consciência crítica.
Por tudo isso, a Secretaria de Estado da Educação tem organizado uma série de ações, projetos e programas que viabilizam a discussão, o debate e a reflexão sobre os mecanismos que irão estruturar esta educação modelar que desejamos instituir em todas as escolas da rede estadual de ensino.
Um exemplo ocorreu entre os dias 26 e 29 de novembro, quando reunimos vários setores da sociedade no evento denominado Semana de Estudos "A Escola de Nossos Sonhos".
Esse debate inicial deu origem ao Fórum Permanente "A Escola de Nossos Sonhos" e ao Fórum Regional "Parceiros da Escola".
O primeiro pretende aglutinar, num único espaço, setores da sociedade que possam colaborar para a reflexão relativa ao aprimoramento da escola pública, o segundo ficará a cargo das regiões administrativas do Estado, juntamente com as 89 diretorias regionais de ensino.
A intenção é que seja produzido um documento com propostas e análises das ações da Secretaria de Estado da Educação e que apontem soluções concretas para a construção dessa Escola Cidadã.
O primeiro passo para esse processo de discussão conjunta foi dado por meio das palestras, teleconferências e encontros que já vêm sendo realizados pela Secretaria com o objetivo de lançar um olhar crítico para o setor e buscar alternativas para os problemas de uma rede com mais de 6 milhões de alunos.
Temos pela frente um grande desafio: fazer do Brasil uma nação ainda mais soberana e condizente com a fortaleza que é o seu povo.
São Paulo, como sempre, pode e deve ser a locomotiva que nos conduzirá em direção a esse novo horizonte que se descortina.
Nossa filosofia de trabalho é pautada no diálogo, na troca de experiências e na constante avaliação e análise de nossas ações pela sociedade.
Cremos ser essa postura não apenas uma exigência, mas um benefício proporcionado pelo exercício democrático.
O Governo Geraldo Alckmin defende esses princípios e os solidifica na medida em que assumiu um compromisso fundamentado nos pilares do desenvolvimento, da educação, da prestação de serviço e da solidariedade.
Convidamos toda a sociedade a participar ativamente dessa proposta imprescindível ao crescimento de São Paulo e do Brasil.
Vamos dar o exemplo e unir forças.
Esse é o melhor ensinamento que podemos deixar aos que irão nos suceder.
Sêneca, o filósofo, já atentava para isso quando disse: "Longo é o caminho do ensino por meio de teorias; breve e eficaz por meio de exemplos".
Que todos tenhamos a sabedoria para apreender a grandeza dessa lição.
Publicado no Diário do Grande ABC

23 de outubro de 2006
Desafios da educação
É oportuno, neste momento de comemorações do Dia do Professor, compartilhar algumas reflexões sobre a educação.
Houve tempo em que estudar era ser posto à prova, era enfrentar vicissitudes para temperar o espírito, segundo os paradigmas da época.
Tratava se de um combate, que evitava o prazer e valorizava o sacrifício.
Todos nos lembramos do relato de Raul Pompéia: "Vais encontrar o mundo, disse me meu pai, à porta do Ateneu.
Coragem para a luta." Também nos lembramos do chefe timbira, de Gonçalves Dias, que diz ao filho: "Coragem, meu filho, que a vida, é luta renhida, viver é lutar."
Provação.
Era disto que se tratava a vida e a escola.
Mas a pedagogia avançou.
Hoje sabemos que viver é enfrentar, mas não é amargurar; que estudar é buscar, superar, mas não é desesperar.
O aprendizado deve ser prazeroso, e este pode ser o desafio mais importante do profissional de educação.
Talvez tenha sido Cecília Meirelles quem fez a síntese mais poética do que seja ensinar.
Para a doce poeta e educadora, ensinar é "acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar.
Mostrar lhes a vida em profundidade.
Sem pretensão filosófica ou de salvação mas por uma contemplação poética afetuosa e participante."
E aí está em que se baseia a educação: afeto e solidariedade.
E compreensão.
Até para o erro.
Edgar Morin costuma dizer que todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão.
Para ele, "o maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão."
Em meu livro Educação: a solução está no afeto, falo das três habilidades que acredito que precisam ser desenvolvidas no aprendiz: cognitiva, emocional e social.
Quando um aluno erra, o professor preparado corrige, mas não censura, disciplina, mas não ridiculariza, repara, mas não condena.
O educador não pode mais assumir o papel de detentor absoluto do conhecimento, embora deva se manter em contínua capacitação.
Deve ser mais do que apenas o facilitador da busca do conhecimento pelo aprendiz.
Deve ser um instigador.
O professor que faz jus ao título de educador estimula a cooperação, porque a palavra que sintetiza o conceito da educação contemporânea é a reciprocidade.
Estimula a vivência, a comparação, a análise crítica, o intercâmbio de idéias e de experiências.
Tem ou desenvolve habilidade para fazer com que os talentos sejam exteriorizados.
E desse modo descobre capacidades e orienta realizações.
Triste é o educador que já não acredita mais na capacidade de aprendizado, que não se debruça para examinar melhor a peculiaridade de cada aprendiz.
Este não ensina nem aprende.
Porque a educação não é pesar, é prazer.
Em resumo: trabalhar em equipe, resolver problemas, saber ensinar e aprender a ser solidário.
Eis o que é ensinar! O mundo da competitividade é o mundo da heterogeneidade.
Comparar pessoas diferentes e não há pessoas iguais é desestimular a criatividade e a autonomia.
"A melhor aprendizagem ocorre quando o aprendiz assume o comando de seu próprio desenvolvimento em atividades que sejam significativas e lhe despertem o prazer".
A frase é do sul africano Seymour Papert, matemático, professor do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) e pai da Inteligência artificial, um dos maiores visionários do uso da tecnologia na educação.
Em 1960 já dizia que toda criança deveria ter um computador em sala de aula.
Mas a tecnologia sozinha não representa evolução na forma de educar.
O computador é ferramenta, é apoio, é máquina, e máquina alguma substitui o professor este sim, a alma da educação.
O professor não pode ser como um disco de memória de computador, apenas um depósito de informação.
Há muitas formas de desenvolver conhecimento, mas o ato de educar só se dá com afeto, só se completa com amor.
E a educação se realiza porque, junto com o amor, surge compromisso, respeito, a necessidade de continuar a estudar sempre, de preparar aulas mais participativas.
A educação é, em todas as suas dimensões, um grande desafio.
Um desafio que depende em sua maior parte do professor, a quem venho reverenciar nesta data comemorativa.
É o professor que fará, com dignidade e respeito que são, afinal, formas de amor com que a educação se transforme em puro prazer de viver.
Jornal O Estado de Minas, 09 de outubro de 2006

O resgate da cidadania
Resgatar o conceito de cidadania nas crianças e adolescentes brasileiros é um desafio e, por isso mesmo, o principal objetivo do programa Mutirão da Cidadania lançado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
O objetivo é trazer à tona o sentimento de nação, de civismo, de solidariedade, de união e de amor aos valores dignificantes que têm sido cada vez menos apreendidos pelas novas gerações.
O Mutirão será composto por diversas ações que visam ampliar nos estudantes da rede estadual de ensino a compreensão sobre questões essenciais à sua formação pessoal e profissional.
A ética, a nobreza de caráter, o espírito de equipe, o respeito ao próximo e às suas diferenças de gênero, raça, credo e classe social, a preservação do meio ambiente a começar pelo cuidado e valorização do espaço da própria escola , o incentivo ao voluntariado e os estudos dos símbolos nacionais constituem as bases principais do programa.
Uma das medidas que adotadas para a conquista desses objetivos é o hasteamento da Bandeira e a execução do Hino Nacional nas unidades de ensino, todas as segundas feiras.
A idéia é estimular a criação de espaços voltados ao resgate de valores ligados à vivência da cidadania, ao mesmo tempo em que a utilização da linguagem musical é otimizada como forma de expressão, comunicação e convivência.
O programa será desenvolvido por meio de parcerias com as secretarias da Justiça, da Cultura, do Meio Ambiente e da Juventude, Esporte e Lazer, além de instituições como a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Procon e o Faça Parte.
Juntas, essas entidades trabalharão a consciência cidadã dos alunos, incentivando a participação ativa dos jovens tanto na escola quanto na comunidade.
Elas fornecerão orientações sobre a formação e administração de grêmios estudantis, a realização da coleta seletiva de lixo nas escolas ressaltando a importância dessa ação para o ecossistema , a criação de Bandas da Juventude nos estabelecimentos de ensino, a conscientização dos direitos e deveres do consumidor e o estímulo ao voluntariado, que se constituirá em exercício efetivo de solidariedade.
Acreditamos que a prática dessas ações será fundamental para a formação de cidadãos críticos que possam ocupar, definitivamente, um lugar de destaque nos cenários político, econômico, social e cultural do Brasil.
Vivemos numa sociedade mutante, diversa e repleta de peculiaridades.
Independentemente disso, o mundo todo atravessa um período de mudanças radicais que alteram o comportamento das pessoas provocando fenômenos sem precedentes na história da humanidade.
Basta lembrarmos o quanto a família se modificou adquirindo novos modelos de estruturação o que não quer dizer que está mais presente na vida das crianças e jovens.
Ao contrário, paralelo às mudanças na estrutura familiar, o mercado de trabalho tem exigido cada vez mais de todos, tornando o tempo que os pais dedicam aos filhos mais escasso quantitativa e qualitativamente.
A carência afetiva é a porta de entrada para o recebimento de influências negativas do meio e da mídia essas últimas por meio da exposição exagerada à televisão e ao computador, sem nenhum critério seletivo.
O resultado desse processo é evidente quando observamos a inversão de valores fundamentais à vida em sociedade, favorecendo o consumismo exacerbado, o culto exagerado ao corpo, da superficialidade das relações e a ascensão acelerada da violência e das drogas.
Com isso, o papel da escola hoje é muito mais amplo e complexo do que há algumas décadas.
Cabe a ela não só ensinar, mas auxiliar a formar o cidadão.
Outro fator importante de mudança está na universalização do ensino, que trouxe aos bancos escolares pessoas extremamente diferentes, muitas vezes provenientes de famílias desestruturadas e/ou com situação econômica precária.
Essas crianças, até há pouco tempo excluídas do ambiente educacional, necessitam de cuidados e atenções redobradas dos professores.
Com a política da escola pública para todos, a rede oficial precisou reestruturar a proposta pedagógica para acolher os mais variados perfis estudantis.
Nesse sentido, O Mutirão de Cidadania é uma ferramenta mais do que importante para garantir aos alunos uma formação mais adequada aos desafios impostos pelo século XXI.
Machado de Assis, o grande mestre da literatura brasileira, nos forneceu um alento para as adversidades quando disse: "Defeitos não fazem mal, quando há vontade e poder de os corrigir." Se depender de nossa vontade e de nosso esforço, a educação conseguirá, sim, cumprir sua função: ser a bússola para mostrar um norte, um caminho seguro em direção ao futuro.
Publicado no Diário do Grande ABC

ENCONTRO COM A PALAVRA
"Aqui jaz Fernando Sabino.
Nasceu homem, morreu menino".
A frase poética escolhida pelo autor de "O Encontro Marcado" para a sua lápide expõe de maneira sucinta, mas explícita, um pouco da personalidade, dos desejos e anseios de um protagonista da palavra.
Um autor cuja pena produziu, desde a mais tenra juventude, textos fundamentados na sensibilidade capaz de captar a angústia humana como poucos de sua geração souberam fazer.
Sobre ele, um dos maiores críticos literários brasileiros, Antonio Cândido, avalia: "Fernando tinha um olhar infalível para os pormenores expressivos e uma capacidade prodigiosa de invenção verbal".
Com a morte de Sabino, encerra se um tempo singular que, por um desses desígnios inexplicáveis, teve o mérito de reunir, em uma mesma época e em um mesmo cenário a cidade de Belo Horizonte , o famoso quarteto de escritores mineiros composto por Sabino e pelos amigos Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.
Sabino foi o único dos quatro a chegar aos 80 anos.
O único a sentir a ausência corrosiva provocada pela perda das grandes amizades.
Suas dezenas de romances, crônicas, novelas, correspondências e relatos de viagem trazem em sua essência o cerne de um dom raro: o de fazer dessas histórias uma ponte entre a ficção e a reflexão.
Um elo entre o eu e o outro.
Entre o particular e o universal.
A narrativa de Sabino instiga os leitores à realização de uma busca rumo ao autoconhecimento virtude característica dos grandes mestres da palavra.
Foi assim com o personagem Eduardo Marciano que, desde 1956, com a publicação de "O Encontro Marcado", prossegue arrebatando corações e mentes.
A escrita fluente e a leveza que dava a textos de temáticas muitas vezes angustiantes nasciam de um cuidado extremista de Sabino com a palavra.
O mesmo que dedicou à música.
Eclético, como todos que possuem espírito inquieto, Sabino era baterista de uma banda de jazz estilo caracterizado pelo predomínio do improviso sobre a técnica.
Assim também era Sabino na literatura: artista cujo compasso ritmado era marcado pela junção da técnica e da sensibilidade.
A perda do escritor mineiro já seria motivo suficiente para que o reino das palavras ostentasse luto por prazo indefinido.
Entretanto, dois dias antes, o mundo das letras, da filosofia, do pensamento dava adeus ao filósofo Jacques Derrida, famoso pela teoria da "desconstrução", cujo princípio era desfazer o texto do modo que foi previamente organizado para revelar significados ocultos.
Suas pesquisas apontavam que, tanto na literatura como nas demais formas de arte, é possível observar por meio de análises detidas numerosas camadas de significados não necessariamente planejados pelo criador da obra.
Assim como Sabino, Derrida era o único sobrevivente de um grupo ímpar de personagens que ajudaram a compor a história de uma geração.
Juntos, Althusser, Barthes, Deleuze, Foucault, Lacan e Derrida tornaram se conhecidos como "os pensadores de 1968".
Desde então, o filósofo contribuiu sobremaneira para o entendimento de questões essenciais à compreensão do século 20.
O autor de "Espectros de Marx" não se furtava, mesmo já muito doente, o direito de viajar pelos continentes lançando luzes sobre temas variados e polêmicos como a literatura, a política, a ética, os conflitos árabe israelenses, a luta contra o aparthaid, os últimos atentados em solo americano, a rapidez dos processos tecnológicos.
Derrida era um cidadão do mundo, um homem que viveu apaixonadamente e defendeu sua ideologia e seus propósitos de todos os modos.
A justiça, os direitos humanos, a conquista da cidadania e a dignidade da pessoa humana eram, invariavelmente, bandeiras que empunhava em favor da edificação de um tempo mais pacífico e igualitário para povos e nações.
Foi ele, também, o criador, em 1983, do Colégio Internacional de Filosofia, a que presidiu até 1985.
Sem dúvida, as vidas de Sabino e de Derrida são exemplos de entusiasmo e de dedicação.
Convites a uma existência mais pró ativa, passional, conectada à nossa verdade interior e à procura da felicidade individual que se expande para o coletivo.
Foram se dois grandes homens.
Ficam duas grandes lições.
Que todos tenhamos sabedoria para apreender os ensinamentos que deixaram em seus livros e que os manterá, para sempre, vivos.
Afinal, como afirmou Derrida em uma das tantas entrevistas que concedeu: "( ) a vida é sobrevida.
Sobreviver no sentido corrente quer dizer continuar vivendo, mas também viver após a morte".
Publicado no jornal Diário de S.
Paulo