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Gabriel Chalita

AVE,ROSA E O SERTÃO NOSSO DE CADA DIA
O mês de julho foi testemunha do aniversário de 50 anos do lançamento de Grande Sertão: Veredas.
Há 50 anos, portanto, temos a ventura de conviver com uma leitura que encerra um universo aberto, que abre um universo cerrado, numa ambigüidade do mestre que sempre ensina mas que, "de repente, aprende".
Será possível medir o que significou para a literatura brasileira o advento desse alentado deleitado romance, ousado na linguagem, na temática, na abordagem e na construção
Linha a linha, mestre Rosa constrói no diapasão da metalinguagem uma história de amor, recheada da sabedoria cabocla, com a fina observação do homem, do espaço e de como um vice versamente interfere sobre o outro.
Grande Sertão: Veredas é um inspirado questionamento do íntimo de cada pessoa humana que é toda pessoa humana.
Pois se o sertão está dentro de cada um, e se o sertão é o mundo, então o mundo inteiro está dentro de cada pessoa.
A universalização das individualidades ganha o seu complementar contrário na individualização dos universos.
E aí está a riqueza de Rosa: o sertão é a cidade, a cidade é o sertão, ambos são o mundo, e o homem está em todo lugar.
Dúvidas e certezas, conflitos e convergências, ficam mescladas na natureza de cada homem.
A sabedoria só era cabocla por causa da intenção de registrar a poética do falar sertanejo, mas pode ser vista como a sabedoria de cada homem que é todo homem, e que cabe em qualquer lugar, não só em Minas Gerais.
Guimarães Rosa construía cada obra de dentro para fora.
Era ele assimilando o mundo e devolvendo o que enxergou, sob a forma de narrativas trabalhadas.
Como bom narrador, Guimarães Rosa está, ele mesmo, dentro do romance.
Observa, de dentro, no tremer da luta, as situações e as almas.
Ele é, por exemplo, o interlocutor de Riobaldo, o misterioso ouvinte, que ouve o relato do guerreiro e a sua travessia pelo caráter do sertanejo.
Como bom narrador, Guimarães Rosa está dentro de outra história, como o menino piticego que ganha óculos e aí sim começa a enxergar o mundo, a vida.
Nova travessia.
Como bom narrador, Guimarães Rosa está testemunhando tudo, postado na terceira margem do rio, vendo o viver e o esperar de pai, filho e espírito santo, na trilogia da religiosidade barroca.
Travessia, outra vez.
São histórias outras e simultaneamente as mesmas, enredadas como corpos, nos bailes das Gerais.
Todas as histórias, seja num livro ou em outros, são veredas que deságuam num mesmo rio grande, em viagem grandota como a de Mário de Andrade.
Conheci pessoas que conheceram o mestre Rosa, e que me falavam do jeito acanhado desse mineiro do burgo do coração.
Contavam de como ele, muito míope, apertava bastante os olhos para ver melhor o interlocutor.
Querendo ver, "eu queria decifrar as coisas que são importantes.
E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente."
Matéria vertente é a matéria fundamental, a vida, a origem da vida, o bem e o mal, os contrastes do físico e do metafísico.
É sobre isso que meditou o Joãozito.
Para, depois, dividir conosco, seus leitores, o que resolveu contar.
Não sem sofrer, porque a criação é trabalhosa.
"Contar é muito dificultoso.
Não pelos anos que já passaram.
Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balance, de se remexerem dos lugares."
As coisas mudam de lugar na memória da gente.
Ganham uma certa névoa de esquecimento, que perturba a limpidez da lembrança.
Mas, em nossa memória coletiva, João Guimarães Rosa tem lugar certo, cristalino e bom.
Bem no pedestal, onde ficam os melhores.
(Artigo publicado na edição de número 97 do Jornal das Letras)

A importância do professor
Valorizar o professor.
Capacitá lo para o exercício pleno de suas atividades como educador.
Proporcionar lhe os instrumentos necessários à sua função primordial: lapidar diamantes.
Hoje, esses são os objetivos principais da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Em outras palavras: entendemos o professor como a figura mais importante do processo educativo, em todas as suas esferas.
Cabe ao mestre a incumbência de ensinar, orientar, estimular e incentivar crianças e jovens a descobrir suas potencialidades.
É uma tarefa nobre e gratificante, mas que exige um esforço e um empenho ininterruptos.
Sem o educador seria impossível conceber a sociedade e sua contínua evolução cultural e científica.
Afinal, todas as áreas do conhecimento humano dependem do professor para serem apreendidas com eficácia e colocadas em prática com competência e habilidade.
A palavra professor vem do latim professore, cujo significado é: aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina.
Mas para que isso aconteça, o professor deve instigar o aluno.
Levá lo à dúvida, à inquietação, à contestação, ao questionamento.
A transmissão do saber precisa ser estimulante e prazerosa.
Há que se estabelecer entre os mestres e seus aprendizes uma relação de troca porque ensinar também é, antes de tudo, aprender.
Educar é um missão que guarda em si um mundo repleto de possibilidades.
Entre elas, a capacidade de despertar no outro um sem número de qualidades adormecidas.
Na Grécia Antiga, Sócrates já nos mostrou o caminho com a sua maiêutica.
Sem a provocação, sem o questionamento, sem a inquietação, sem as perguntas incessantes do mestre não ocorrerá esse processo pedagógico socrático em que se multiplicam as perguntas a fim de obter um conceito a respeito do objeto em questão.
Sem a maiêutica não é possível haver a parturição das idéias.
Não se adquire o conhecimento, a sabedoria.
Machado de Assis, no clássico Dom Casmurro, mais precisamente no Capítulo 9, nos brinda com sua poesia, ironia e irreverência quando compara a vida e os personagens que a compõem a uma ópera.
Vamos pedir licença ao grande gênio da nossa Literatura para utilizar essa metáfora no universo específico da sala de aula.
Quem dentre os alunos será o maestro que irá reger os personagens do espetáculo da existência Quem será barítono, soprano, contralto, tenor Quem irá optar por conceber a cenografia Quem será o diretor Quem será o figurinista Quem irá compor o coro Quem serão os bailarinos Bem, o professor pode até imaginar os rumos que serão seguidos pelos seus alunos, mas isso não é sua tarefa principal.
Cabe aos educadores conceder às crianças e jovens o direito de escolha, a partir do momento em que aprenderão sobre a importância de todos os personagens da ópera, inclusive os que optam por ficar nos bastidores.
A nobreza do magistério reside justamente na capacidade de transmitir aos aprendizes a beleza e a grandiosidade dessa magnífica experiência que é a vida.
Temos por meta preparar o professor para o exercício de uma profissão cada vez mais essencial à formação do ser humano.
Por isso estamos realizando capacitações, palestras, teleconferências e seminários.
No último mês de maio, por exemplo, reunimos cerca de mil educadores das 89 regionais de ensino do Estado em capacitação realizada no Interior de São Paulo.
A idéia é transformá los em multiplicadores de informação em suas localidades de origem.
Acreditamos ser possível conceder ao educador o que lhe é de direito: o respeito de todos e o orgulho por ser quem traz à tona o que as pessoas têm de mais sublime.
O professor, para nós, é a alma da educação e a espinha dorsal da sociedade.
Sem ela, torna se impossível adquirir o equilíbrio, a força e a vitalidade necessária para fazer do Brasil um país comprometido com a formação de seus cidadãos.
Um país cuja nação será consciente e intelectualmente capaz de construir as bases sólidas que sustentarão os sonhos das novas gerações.
Publicado no Jornal A Tribuna

A descendência de Cervantes
Professor.
Uma palavra de traduções diversas que encerra significados tão numerosos quanto belos.
Um termo apropriado àqueles que acreditam na grandiosidade da doação, do altruísmo e da capacidade de despertar outros seres humanos para a aventura ímpar do aprendizado e da transcendência.
Neste dia 15 de outubro, é importante refletir sobre esse profissional, que dedica sua vida à propagação de saberes.
Saberes que possibilitam aos aprendizes ultrapassar fronteiras, superar obstáculos e articular estratégias que os conduzem em direção à realização de seus sonhos.
Cheios de uma poesia própria, ousam desafiar o renomado poeta Vinícius de Moraes, na medida em que vivem e preconizam um amor imortal posto que não é chama, contrariando o famoso verso do "Soneto da Fidelidade".
Quantos milhões de professores terão o Brasil e o mundo O que seria da sociedade sem a participação efetiva e compromissada desses homens e mulheres Educadores que, todos os dias, somam, multiplicam e dividem tudo o que têm de mais precioso com centenas de crianças e jovens.
Discípulos que assimilam, às vezes sem se dar conta, a essência do verbo compartilhar.
Nas salas de aula do mundo, mestres e aprendizes ensaiam um balé sincrônico e ritmado, embalados pela musicalidade do amor, do conhecimento, do afeto, do respeito, dos sorrisos e dos olhares de confiança mútua.
Educandos devem nutrir por seus professores um sentimento de admiração que inspire o respeito.
Nessa relação, não deve haver lugar para o autoritarismo e para o medo, coreografias incompatíveis com o espetáculo majestoso da vida.
Educadores Como recompensá los por tudo que nos proporcionam Como agradecer lhes da forma que merecem E, principalmente: como retribuir sua força e seu exemplo seguro e altivo nos momentos em que fraquejamos e pensamos em desistir de tudo Como resgatar sua auto estima, cada vez mais abalada por este mundo que privilegia os bens materiais em detrimento de valores como a ética, a fraternidade, a justiça e o amor ao próximo Como devolver aos professores o seu lugar de destaque na sociedade Sejamos sinceros: não temos todas as respostas e nem tampouco pretendemos posar de donos da verdade, mas esta homenagem tem o intuito de propiciar aos leitores uma reflexão sobre essas pessoas iluminadas que nos presentearam com as condições para obter o alimento do corpo e do espírito.
Uma reflexão sobre os nossos mestres e o papel imprescindível que desempenham em nossas vidas.
Seres raros que vivem sob os signos diversos, mas complementares, da paixão e da razão.
Exemplos de vida que nos transmitem lições essenciais à construção de nossas histórias.
É esse o perfil da grande maioria dos educadores crianças crescidas que, tal qual Peter Pan, se recusam a deixar de sonhar.
E prosseguem incansáveis, dia após dia, capacitando seus alunos rumo à descoberta de suas potencialidades e talentos.
Dia após dia, contribuindo para formação de personalidades e de cidadãos que transitem apenas pelo caminho do bem.
Espécies encantadas como foi um dos mestres que tive na vida: professor André Franco Montoro, um jovem eterno que, mesmo tendo completado 60 anos de magistério, entrava para dar aula com o entusiasmo de um iniciante.
A paixão de Franco Montoro era conhecida por muitos.
A maioria de nossos educadores é constituída por heróis anônimos que lutam, muitas vezes, empunhando apenas o giz e a boa vontade.
Heróis que atravessam a seca, os igarapés ou mesmo o trânsito alucinante das metrópoles com o objetivo único de semear idéias, honestidade, honradez, boa vontade, oportunidades, ideais, criatividade e autoconfiança.
Professores são descendentes diretos da linhagem onírica criada por Cervantes em seu Dom Quixote.
Sonhadores e idealistas que pairam muito acima de ideologias políticas, filosóficas ou religiosas.
Preferem se ocupar com questões maiores: levam a vida a professar a educação e tudo de positivo que ela representa.
Que, nesta data comemorativa e sempre, saibamos reconhecer seu valor e devolver lhe a dignidade luzidia de um passado recente, mas que já traz muitas saudades.
Publicado na Folha de S.Paulo

Bullying, o crime do desamor
O motorista que, no trânsito, por estar a bordo de um carro novo e possante, encosta no veículo da frente e exige passagem, deseducadamente, piscando os faróis, buzinando, pressionando, está praticando um ato de violência.
O político que se acha mais importante do que o resto do mundo e trata as pessoas com arrogância, está sendo, de algum modo, violento.
Podemos dizer o mesmo do empresário que humilha seus funcionários, só porque lhes paga salário.
Essas pessoas, com atitudes que agridem ou intimidam, estão praticando o que possivelmente já praticaram em outros ambientes, inclusive na escola: o bullying.
A palavra vem do adjetivo bully, que em inglês significa valentão.
Quem é mais forte tiraniza, ameaça, oprime, amedronta e intimida os mais fracos.
Na escola, essa atitude pode ter resultados drásticos, porque leva a vítima, muitas vezes, ao isolamento e até ao abandono.
O bullying agride a alma do indivíduo, o apequena pelo medo ou pela vergonha, pela dor física ou moral.
Esse comportamento agressivo tem sido observado nas escolas, e por isso mesmo é motivo de preocupação de pais e educadores, já há algum tempo, porque demonstra que está faltando afeto nas relações entre crianças e adolescentes, possivelmente em razão de problemas familiares.
A falta de diálogo e de respeito parece ser a origem da agressividade infantil e juvenil, um problema que começa a ser discutido com mais intensidade diante do aumento da violência escolar no mundo inteiro.
Em Portugal, por exemplo, pesquisa feita com sete mil alunos revelou que um em cada cinco alunos já foi vítima desse tipo de agressão.
Na Espanha, o nível de incidência também já chega a 20% entre os alunos.
Na Grã Bretanha, terra dos hoolligans, aqueles torcedores que saem em grupo pelas ruas, procurando brigas e agredindo pessoas, há mais motivos ainda para apreensão: foi apurado, em pesquisa, que 37% dos alunos do primeiro grau das escolas britânicas admitiram que sofrem bullying pelo menos uma vez por semana.
Nos Estados Unidos, o fenômeno atinge também um percentual muito alto estima se que até 35% das crianças em idade escolar estão envolvidas em alguma forma de agressão e de violência na escola.
Foi nesse país, no estado do Colorado, que recentemente dois adolescentes do ensino médio usaram armas de fogo para matar treze pessoas e ferir dezenas de outras.
Depois do ataque, cometeram suicídio.
Descobriu se, mais tarde, que os agressores sofriam constantes humilhações dos colegas de escola.
No Brasil, um estudo feito pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia), em 2002, no Rio de Janeiro, com 5.875 estudantes de 5ª a 8ª séries, de onze escolas fluminenses, revelou que 40,5% dos entrevistados confessaram o envolvimento direto em atos como a humilhação por causa de defeitos físicos, obesidade, cor da pele, que ocasionam seqüelas emocionais nas vítimas e contribuem para que elas não atinjam plenamente o seu desenvolvimento educacional.
Como efeito, observa se a redução do rendimento escolar, e a conseqüência mais nefasta: a vítima de bullying pode se tornar agressiva ou até mesmo passar a reproduzir essas práticas horríveis contra a pessoa e sua dignidade.
Como identificar esse tipo de desvio social
É fundamental que, tanto em casa quanto na escola, a criança tenha liberdade para dizer o que pensa e o que sofre.
O diálogo ajuda a entender o cotidiano do aprendiz.
O principal sinal de perigo está naquele aluno que vai ficando apático, e que se tranca na sua dor, sem revelar os sentimentos.
E qual é a saída para corrigir o problema
Primeiro, é fundamental desenvolver nas escolas ações de solidariedade e de resgate de valores de cidadania, tolerância, respeito mútuo entre alunos e docentes.
Estimular e valorizar as individualidades do aluno.
Potencializar eventuais diferenças, canalizando as para aspectos positivos que resultem na melhoria da auto estima do estudante.
Com toda a certeza, se a escola formar indivíduos melhores, teremos motoristas melhores, políticos melhores, empresários melhores.
E cidadãos melhores.