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Clarice Lispector

E foi tão corpo que foi puro espírito".
A loucura é vizinha da mais cruel sensatez.
Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.
"Bem atrás do pensamento tenho um fundo musical"
"Escuta: Eu te deixo ser, deixa me ser então"
"Sabe o que eu quero de verdade ! Jamais perder a sensibilidade, mesmo que às vezes ela arranhe um pouco a alma.
Porque sem ela não poderia sentir a mim mesma "
"Amanheci em cólera.
Não, não, o mundo não me agrada.
A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo.
E o amor, em vez de dar, exige.
E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam.
Mentir dá remorso.
E não mentir é um dom que o mundo não merece "
"Fiquei com vontade de chorar mas felizmente não chorei, porque quando choro fico tão consolada "
"Por enquanto, estou inventando a tua presença."
" Minha saudade anda assim espalhada, apertada, sufocada em pequenos espaços geográficos onde pedaços do meu coração residem
"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada.
De chofre explicava se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor.
Para que te servem essas unhas longas Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem.
Para que te serve essa cruel boca de fome Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.
Para que te servem essas mãos que ardem e prendem Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
"
"Como se visse alguém beber água e descobrisse que tinha sede.
Sede profunda e velha.
Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações."

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava Nesta minha nova covardia a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá la , na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir.
É difícil perder se.
É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar me seja de novo a mentira de que vivo.
Até agora achar me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver.
A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão.
Mas e agora estarei mais livre
Não.
Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída.
Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada Oh, sei que entrei, sim.
Mas assustei me porque não sei para onde dá essa entrada.
E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.
Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana.
Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser e no entanto não há outro caminho.
Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização
E uma desilusão.
Mas desilusão de quê se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema.
No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido.
O que eu era antes não me era bom.
Mas era desse não bom que eu havia organizado o melhor: a esperança.
De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.
O medo agora é que meu novo modo não faça sentido Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo Terei que correr o sagrado risco do acaso.
E substituirei o destino pela probabilidade.
IN A PAIXÃO SEGUNDO GH PÁG 12 E 13

A Solução:
Chamava se Almira e engordara demais.
Alice era a sua maior amiga.
Pelo menos era o que dizia a todos com aflição, querendo compensar com a própria veemência a falta de amizade que a outra lhe dedicava.
Alice era pensativa e sorria sem ouvi la, continuando a batera máquina.
À medida que a amizade de Alice não existia, a amizade de Almira mais crescia.
Alice era de rosto oval e aveludado.
O nariz de Almira brilhava sempre.
Havia no rosto de Almira uma avidez que nunca lhe ocorrera disfarçar: a mesma que tinha por comida, seu contato mais direto com o mundo.
Por que Alice tolerava Almira, ninguém entendia.
Ambas eram datilógrafas e colegas, o que não explicava.
Ambas lanchavam juntas, o que não explicava.
Saíam do escritório à mesma hora e esperavam condução na mesma fila.
Almira sempre pajeando Alice.
Esta, distante e sonhadora, deixando se adorar.
Alice era pequena e delicada.
Almira tinha o rosto muito largo, amarelado e brilhante: com ela o batom não durava nos lábios, ela era das que comem o batom sem querer.
Gostei tanto do programa da Rádio Ministério da Educação, dizia Almira procurando de algum modo agradar.
Mas Alice recebia tudo como se lhe fosse devido, inclusive a ópera do Ministério da Educação.
Só a natureza de Almira era delicada.
Com todo aquele corpanzil, podia perder uma noite de sono por ter dito uma palavra menos bem dita.
E um pedaço de chocolate podia de repente ficar lhe amargo na boca ao pensamento de que fora injusta.
O que nunca lhe faltava era chocolate na bolsa, e sustos pelo que pudesse ter feito.
Não por bondade.
Eram talvez nervos frouxos num corpo frouxo.Na manhã do dia em que aconteceu, Almira saiu para o trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão.
Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Alice e não a viu.
Uma hora depois esta aparecia de olhos vermelhos.
Não quis explicar nem respondeu às perguntas nervosas de Almira.
Almira quase chorava sobre a máquina.
Afinal, na hora do almoço, implorou a Alice que aceitasse almoçarem juntas, ela pagaria.
Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.
Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos.
Abatida, Alice mal respondia.
Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas.
Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva.
Você não pode me deixarem paz ! Almira engasgou se com a comida, quis falar, começou a gaguejar.
Dos lábios macios de Alice haviam saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G.
de Almeida.
Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice.
Quer saber o que houve, não é Pois vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora está contente, sua gorda
Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca.
Foi então que Almira começou a despertar.
E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou o no pescoço de Alice.
O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou se como uma só pessoa.
Mas a gorda, mesmo depois de feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar o sangue da outra.
Alice foi ao Pronto Socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda arregalados de espanto.
Almira foi presa em flagrante.
Algumas pessoas observadoras disseram que naquela amizade bem que havia dente de coelho.
Outras, amigas da família, contaram que a avó de Almira, dona Altamiranda, fora mulher muito esquisita.
Ninguém se lembrou de que os elefantes, de acordo com os estudiosos do assunto, são criaturas extremamente sensíveis, mesmo nas grossas patas.
Na prisão Almira comportou se com docilidade e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo.
Fazia graças para as companheiras.
Finalmente tinha companheiras.
Ficou encarregada da roupa suja, e dava se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate.
Exatamente como para um elefante no circo.

SILÊNCIO
É tão vasto o silêncio da noite na montanha.
É tão despovoado.
Tenta se em vão trabalhar para não ouvi lo, pensar depressa para disfarçá lo.
Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã.
Como ultrapassar essa paz que nos espreita.
Silêncio tão grande que o desespero tem pudor.
Montanhas tão altas que o desespero tem pudor.
Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor.
Nenhum galo.
Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio.
Desse silêncio sem lembranças de palavras.
Se és morte, como te alcançar.
É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas.
É terrível sem nenhum fantasma.
Inútil querer povoá lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa.
Ele é vazio e sem promessa.
Se ao menos houvesse o vento.
Vento é ira, ira é a vida.
Ou neve.
Que é muda mas deixa rastro tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam.
Há uma continuidade que é a vida.
Mas este silêncio não deixa provas.
Não se pode falar do silêncio como se fala da neve.
Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite Quem ouviu não diz.
A noite desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia.
As crianças de Berna adormecem, fecham se as últimas portas.
As ruas brilham nas pedras do chão e brilham já vazias.
E afinal apagam se as luzes as mais distantes.
Mas este primeiro silêncio ainda não é o silêncio.
Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.
Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da terra a lua alta.
Então ele, o silêncio, aparece.
O coração bate ao reconhecê lo.
Pode se depressa pensar no dia que passou.
Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam.
Mas é inútil esquivar se: há o silêncio.
Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga.
Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta como ardemos por ser chamados a responder cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio.
Quantas horas se perdem na escuridão supondo que o silêncio te julga como esperamos em vão por ser julgados pelo Deus.
Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até a indignidade.
Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.
Até que se descobre nem a sua indignidade ele quer.
Ele é o silêncio.
Pode se tentar enganá lo também.
Deixa se como por acaso o livro de cabeceira cair no chão.
Mas, horror o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste.
E se um pássaro enlouquecido cantasse Esperança inútil.
O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio.
Então, se há coragem, não se luta mais.
Entra se nele, vai se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite em Berna.
Que se entre.
Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio.
Será como se estivéssemos num navio tão descomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio.
E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo.
Mais do que isso um homem não pode.
Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar.
Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso.
O coração tem que se apresentar diante do nada sozinho e sozinho bater alto nas trevas.
Só se sente nos ouvidos o próprio coração.
Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão.
Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio.
Se não há coragem, que não se entre.
Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós.
Que se espere.
Um insolúvel pelo outro.
Um ao lado do outro, duas coisas que não se vêem na escuridão.
Que se espere.
Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento, a luz da aurora.
Depois nunca mais se esquece.
Inútil até fugir para outra cidade.
Pois quando menos se espera pode se reconhecê lo de repente.
Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros.
Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra.
Depois de uma palavra dita.
Às vezes no próprio coração da palavra.
Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia ei lo.
E dessa vez ele é fantasma.