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Anna Vargas

Ode à imperfeição
Ah! Aqueles cabelos Insistiam em permanecer bagunçados, mesmo nos melhores dias.
Ou aquelas sardas que espalhavam ferrugem sobre a pele tão delicada.
Mas ele tinha aquele jeito solto de andar que dava vontade de se jogar na estrada ao seu lado.
E ela aquele sorriso de dentes brancos e presas salientes.
Quando gargalhava, o quarteirão inteiro ouvia.
Quando se movia, tudo que não estivesse fixo ia ao chão.
Aquele nariz assimétrico combinava lhe tão bem com a assimetria do pensamento.
E a bagunça no seu quarto refletia lhe bem os tormentos da alma.
Mentia às vezes, para ser conveniente.
Exagerava às vezes, só para parecer mais interessante.
Jogava se sem medo, ou apesar do medo.
E não se arrependia, apesar da dor.
Esquecia a cautela em casa, junto com os documentos do carro.
Chorava amargamente.
Até a primeira piada.
Ria em hora errada.
Esquecia datas importantes.
Mas sabia o porquê de ser importante lembrar.
A dieta sofria boicote.
A vida é tão curta para se privar.
O corpo era cheio de curvas.
Contra a luz, novas curvas se revelavam.
Às vezes ela se escondia, envergonhada.
E disfarçava um jeitinho de apagar a luz.
Ele não sabia a hora certa de parar de brincar.
Como se houvesse hora certa para parar de brincar.
Aquele estilo confuso, mas pronunciado, sempre louvava os excessos.
Ele falava demais.
Significava de menos.
Ela falava de menos.
Significava demais.
Tinha mil assuntos inacabados.
As tarefas não chegavam ao fim.
Ele terminava.
Mas não começava muito.
Apegava se demais aos objetos alheios e não suportava deixa los para trás.
Esmigalhava pacientemente a erva ao final do dia.
Seu pequeno ritual de relaxamento.
Tinha mania de completar frases alheias.
Havia tanto a ser conversado ainda.
Saia de casa em horários diversos, só para burlar a rotina.
E bebia e dançava como se amanhã não fosse outro dia.
Sentia pena de todas as estórias de amor que deixava de viver.
Escapava da lei dos homens, vez e outra, só para se sentir dono da lei.
Em meio a tantas coisas imperfeitas, quanta perfeição há!

Meus conceitos mudaram.
Acumulei experiências.
Minha visão se ampliou.
Tornei me mais racional em relação à metafísica e mais passional em relação à vida.
Fiquei loira Mais loira do que queria a princípio, e me descobri na loirísse.
Já não gosto de bronzear a pele, que se tornou suporte para as minhas tatuagens Minhas marcas.
Descobri o meu estilo, não que os anteriores não fossem meus.
Estou me entendendo cada vez mais, e aprendendo a me distanciar do ideal que tentam fazer de mim.
Eu não sou um ideal.
Parei de tentar domar o meu cabelo.
Parei de tentar domar o meu espírito.
Dou satisfações à minha consciência, e ela é bastante severa comigo.
Assumi o valor que os meus sonhos têm pra mim.
Antes, o medo de que eles jamais se concretizassem me fazia fingir pra mim mesma que eu não me importava tanto assim.
Descobri quais são os meus amigos verdadeiros, aqueles que eu vou levar pra toda a vida.
Não que eu não vá descobrir novos amigos verdadeiros pelo caminho.
Aprendi a não expor tudo, e acho que ainda exponho demais.
Ninguém deve me conhecer como eu me conheço Pelo simples fato de que eu não posso me revoltar ou virar as costas pra mim mesma, independente da situação.
Qualquer outra pessoa pode.
Você pode.
Pisei em mundos alheios ao meu e, mesmo me sentindo alienígena, fingi pertencer.
Entendi a importância de conhecer pessoas, mesmo que aleatoriamente.
Entendi que deixar de conhecer alguém, pode significar virar as costas para uma oportunidade, para um possível futuro que teria algo a ensinar.
Não que todos os meus hábitos antissociais tenham mudado.
Eu ainda prefiro a companhia do meu iPod ou de um livro nos trajetos, mas abri uma exceção nos destinos.
Eu ainda falo com voz de criança quando estou com as pessoas do meu convívio mais íntimo.
Eu ainda sou bagunceira e ainda tenho crises de autismo.
Minha memória seletiva ainda tem a péssima mania de jogar fora informações úteis e reter inúteis.
Ainda amo ler, escrever, cantar, compor, dançar, jogar, rir, conversar, posar, fotografar, entre outras coisas.
Aprendi a ver os dois lados da moeda Toda moeda tem dois lados, e nem sempre o lado que traz felicidade traz também realização e vice versa.
Aprendi qual lado escolher.
No final das contas, ainda sou a mesma, só que diferente.