SOBRE O ADEUS A MEU PAI ZITO
" Se queres viver bem, pensa na morte" Monges medievais
Meu pai foi embora Mas ainda estou a ouvir a voz do meu bom e velho amigo.
Agora não mais da janela do seu quartinho, onde sempre ele esperava a próxima brisa benfazeja.
O cenário é outro, mas ainda sua sabedoria paira no ar.
Quando a sua voz calou com a morte, seu coração seguiu falando.
Ouçam:
“ A vida é uma tentativa, às vezes bem sucedida, de se driblar a morte.
Tentei de todas as maneiras me manter em pé.
Tal como o anjo torto do Garrincha, meu jogador predileto, driblei a várias vezes Eu gostava até de dizer, num jeito de brindar a vida : quebro mas não vergo.
Vejo, do alto de uma outra dimensão, um de meus filhos me saudando emocionado, com citações inspiradas pelo Brecht : 'Há homens que lutam a vida inteira, estes são os imprescindíveis.' Agradeço lhe pois de fato não perdi a garra de viver jamais.
Mas agora, deitado e inerte, sou rodeado de pessoas queridas que choram minha partida.
Chegou o momento em que as carrancas da morte se defrontaram cara a cara comigo.
Jamais as temi.
Pelo contrário, por saber que a morte é uma irmã gêmea da vida, tive para com ela, sempre uma relação de boa vizinhança.
Dela escapei várias vezes, dela ri para valer, com ela aprendi sempre.
Agora é a vez dela
Já havia pedido para meus queridos que no meu túmulo fosse colocado este epitáfio: ' Aqui jaz um homem, muito a contragosto'.
As pessoas que levam a vida muito a sério jamais compreenderão.
Irão dizer: ' está aí um homem blasfemo! Imagine um homem querendo contrariar os desígnios divinos! '.
Não é nada disso! O que eu quero é simplesmente dizer que a vida é boa e enquanto não chega sua irmã temos que inventar esperanças para fazer valer nossa passagem por aqui.
Vejam estas pessoas a me rodear.
Choram profundamente a saudade.
Não a saudade de quem se sabe, que um dia voltará.
A saudade que choram é aquela da canção do Chico que diz: ' ó metade amputada de mim ' É a saudade de se arrumar um quarto para o qual a pessoa amada jamais voltará.
É a saudade registrada na moda de viola que eu cantava com meus netos : ' a tua saudade corta como um aço de navaia'.
Chorem queridos! Mas não o choro do desespero! Chorem a saudade de quem sempre soube que há tempo de chegar e tempo de partir, tempo de cantar e tempo de prantear, tempo de nascer e tempo de morrer.
Recebo a amiga morte como presente.
Embora tivesse ensaiado em me assustar, ela me veio de forma branda, o que me deu até oportunidade de lembrar um verso de Tagore, que deixo para vocês:
' No dia em que a morte bater à tua porta que lhe oferecerás Porei diante de minha hóspede
o vaso cheio de minha vida.
Não a deixarei ir de mãos vazias '”
(Para minha irmã Luciana, fiel escudeira de meu pai até o último momento)
Postado por Revº Carlos Alberto Rodrigues Alves