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Pablo Neruda

Luto pela Bondade
Quero viver num mundo sem excomungados.
Não excomungarei ninguém.
Não diria, amanhã, a esse sacerdote: «Você não pode baptizar ninguém porque é anticomunista.» Não diria ao outro: «Não publicarei o seu poema, o seu trabalho, porque você é anticomunista.» Quero viver num mundo em que os seres sejam simplesmente humanos, sem mais títulos além desse, sem trazerem na cabeça uma regra , uma palavra rígida, um rótulo.
Quero que se possa entrar em todas as igrejas, em todas as tipografias.
Quero que não esperem ninguém, nunca mais, à porta do município para o deter e expulsar.
Quero que todos entrem e saiam sorridentes da Câmara Municipal.
Não quero que ninguém fuja em gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta.
Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, ouvir, florescer.
Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela.
Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor.
Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura.
Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível.
De tantos encontros entre a minha poesia e a polícia, de todos esses episódios e de outros que não contarei porque repetidos, e de outros que não aconteceram comigo, mas com muitos que já não poderão contá los, resta me no entanto uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de que nos aproximamos de uma grande ternura.
Escrevo sabendo que sobre as nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear, que não deixaria ninguém nem nada sobre a Terra.
Pois bem: nem isso altera a minha esperança.
Neste momento crítico, neste sobressalto de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos.
Entender nos emos todos.
Progrediremos juntos.
E esta esperança é irrevogável.
Pablo Neruda, in "Confesso que Vivi"

Poema 20
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive a em meus braços.
Beijei a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho.
Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.
Ao longe alguém canta.
Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê la perdido.
Como para chegá la a mim o meu olhar procura a.
O meu coração procura a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar lhe o ouvido.
De outro.
Será de outro.
Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro.
Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.