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Veneno

"Tudo está na natureza encadeado e em movimento – cuspe, veneno, tristeza, carne, moinho, lamento, ódio, dor, cebola e coentro, gordura, sangue, frieza, isso tudo está no centro de uma mesma e estranha mesa.
Misture cada elemento – uma pitada de dor, uma colher de fomento, uma gota de terror.
O suco dos sentimentos, raiva, medo ou desamor, produz novos condimentos, lágrima, pus e suor, mas, inverta o segmento, intensifique a mistura, temperódio, lagrimento, sangalho com tristezura, carnento, venemoinho, remexa tudo por dentro, passe tudo no moinho, moa a carne, sangre o coentro, chore e envenene a gordura: você terá um ungüento, uma baba, grossa e escura, essência do meu tormento e molho de uma fritura de paladar violento que, engolindo, a criatura repara o meu sofrimento co'a morte, lenta e segura.
Eles pensam que a maré vai, mas nunca volta.
Até agora eles estavam comandando o meu destino e eu fui, fui, fui, fui recuando, recolhendo fúrias.
Hoje eu sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca.
Quando eles virem invertida a correnteza, quero saber se eles resistem à surpresa, quero ver como eles reagem à ressaca.
Meus filhos, vocês vão lá na solenidade, digam à moça que a mamãe está contente tanto assim que lhe preparou este presente pra que ela prove como prova de amizade.
Beijem seu pai, lhe desejem felicidade co’a moça e voltem correndo, que eu e vocês também vamos comemorar, sós, só nós três, vamos mastigar um naco de eternidade."

Doces palavras em boca de fel
Viperino perfume na boca do céu
Veneno diluído em falsas bondades
Desejo reprimido em tortas verdades
Lancei ao vento a flecha flamejante
Mirei ao léu um tolo viajante
Mas, em brancos sentimentos devolveu:
Toma de volta o presente que me deu
Tão perfeito o estranho parecia
Pedra lapidada noite e dia
Modos arquitetados e respostas ensaiadas
Sorrisos fingidos e retóricas mascaradas
O perfeito errante de altos valores
Era meu revés, o maior dos meus temores
Conseguia revelar meus parcos talentos
Caçoava de meus tormentos
Resolvi eliminar o problema
Armei um pérfido esquema
De anular a vida que havia
No ser que a vida me repudia
Esperei na estrada o momento perfeito
Enclausurei me e esperei o efeito
Porém, efeito não chegava
Por onde o viajante andava
Passaram se tempos aos montes
A vida me escorria como uma fonte
Mas, a inveja ali me segurava
Matá lo era ao que me dedicava
Mas, o infeliz nem por ali passou
Quando olhava era dia
Em outra olhada o dia acabou
Da macieira eu comia
Pro corpo que ainda restou
O desejo de vingança me atormentava
Persistia enquanto o corpo não enterrava
Resolvi descer da árvore e vi tudo diferente
As casas, a vida, a cara daquela gente
Na certeza de não mais ver o viajante
Quase morro com uma visão errante
Ali na minha frente o infeliz jazia
O que aquele corpo de pedra ali fazia
Perguntei a um moço ali perto
“Ele é a fonte do nosso deserto”
Na cidade tudo em torno dele girava
O motivo pelo qual na estrada não passava
Aquele covarde me deixou esperando
A hora do encontro eu sempre marcando
E enquanto na árvore eu esperava
Mais o infeliz prosperava
E quanto mais sucesso ele fazia
Mais minha vida se esvaía
Por que eliminá lo tentei
E melhorar não procurei
Nada agora faz sentido
O futuro está distorcido
A minha vingança me cegou
No poço que minha inveja me afundou
Eu sequei, a árvore secou
O homem não passou
E eu ali fiquei
O tempo também passou
E eu não aproveitei
“Foi se gastando a esperança,
Fui entendendo os enganos
Do mal ficaram meus danos
E do bem só a lembrança”