Acordei e foi como um sonho, na verdade, um pesadelo.
Nada daquilo fazia sentido, era uma realidade paralela à minha.
Não conseguia me enxergar em reflexos, era uma estranha a mim mesma.
Levantei daquela cama, ensopada de suor.
Me despi de todas as cobertas, de todas as vestimentas, em seguida, de todo pudor.
Meu corpo pulsava e nem eu entendia os motivos exatos.
Mordi os lábios, rasguei a pele com as unhas, joguei longe a anel que me deu.
Queria ser livre de tudo que te agradasse, de tudo que lembrasse você.
Busquei a última lâmina por entre os papéis da minha gaveta.
Todos os poemas que te fiz, que nunca tiveram valor algum.
Poderia queimá los.
Talvez o fizesse mais tarde, agora, a prioridade era outra.
Abri a gaveta que estava trancada, uma garrafa de whisky, um vinho barato, mais algumas lâminas e outro punhado de textos.
Afinal, quanto tempo perdi escrevendo para você Sempre foi assim.
Sempre senti demais, e a intensidade na maioria das vezes não é algo bom.
O Whisky queimava minha garganta ao descer, bebi direto da garrafa.
Pra quê usar copo Você já me causou sujeira demais pra umas três vidas.
Queria um cigarro, daqueles que acabaram quando eu fumei uns 5 maços durante muitos dias.
Me fazem falta agora.
Lembrar de você nunca é bom, me causa sensações que eu preferia não despertar.
Chega! A lâmina percorria meu pulso como se fosse feita para isso.
Meu braço, já cheio de marcas, ganharia mais uma, meu coração às aguentou, uma a mais ou a menos, pouco importaria.
Queria entrar no carro, dirigir até bem longe de você, voar até o outro lado do mundo, e ainda assim não seria o bastante.
Não seria porque tenho te num lugar tão infortunando que não posso esconder te de mim, esconder te de ti.
Você me marcou, abriu uma ferida daquelas em que a gente grita e agoniza só de pensar em ter.
Ainda assim, eu deixei, te deixei parmanecer nessa zona que até então achava ser impenetrável.
Permeou em minha utopia, fez dela nossa, fez do meu medo a sua fonte vitalícia de energia e poluiu a fonte, sem fonte não tem vida, sem vida, o ciclo se acaba, e acabou.
Dois goles de vinho.
É de longe o pior que já tomei, ferve me a pele e me remexe as entranhas.
Preferia que fossem dois socos no estômago, mas são quase isso.
As melhores bebidas te deixam ébrio com apenas poucos goles, isso também costuma acontecer com as que são baratas.
Caramba! Queria um cigarro! O armazém da esquina agora me parece longe e inalcançável, seria quase como percorrer uma estrada sem fim, não sei se estou pronta para a jornada.
Nem sei se valeria a pena mais alguns passos que fossem, seriam por você.
Você nunca valeu o esforço, nenhum esforço.
Continuo sentada nesta escrivaninha, agora o relógio marca 3:00 da manhã.
A hora dos demônios, não Pois bem, os meus estão soltos a bastante tempo.
Rodeiam a vida, a casa, o quarto, meus pensamentos.
Um dia você me disse "O inferno não está tão longe".
Nunca fez tanto sentido, nunca concordei tanto.
Tens razão.
O inferno é logo aqui, ao alcance da palma de minha mão.
Passei os dedos por entre os cabelos, abri a janela e estive um certo tempo olhando o céu.
Pularia da janela, se fizesse diferença, não faz.
Continuo aqui.
Trancada neste antro de expectativas e esperanças mortas.
Você me prometeu ficar, mas eu sou a única que continua aqui.
{Epitáfios para Lígia}