Assistir a Valentina dormir é como mergulhar fundo num oceano de sensações.
Fico parado do computador escutando a respiração e babo em detalhes a minha filha.
Me perco, me encontro, me vejo hoje onde não pensava estar ontem.
Me disperso, me recolho, fico preocupado com a vida dela e busco forças.
Respiro, expiro, penso em seguir, mudar tudo.
Sigo no enigma mais claro e na sabedoria mais vulgar de tudo o que é, sem nenhuma razão especial de ser quando a vejo dormir.
Não hesito; me deixo levar nos pensamentos.
Ela me traz essa reflexão e o que vem dela deixo fluir.
Me deixo levar antes que seja tarde, antes que seja um poente finito.
Ela me ensina tanto, sem falar nada, com quatro anos, dormindo, só de olhar Entendo e aprendo que o despedir de um dia lindo que não se repetirá é, na verdade, uma cortina aberta para a verdade.
E que a linha do horizonte vista dessa janela e suas formas inalcançáveis sejam da força e da fonte para a noite que virá, pois lá, enquanto eu estiver vivo, vai dormir uma criança.
E olhando bem, dentro do coração dela, dorme também a criança que eu fui um dia, com todos os meus sonhos.
Olho, observo.
Ela ameaça acordar, mas dorme de novo ao receber meu carinho.
Que bom que ela ainda é criança.
A vida é tão difícil, tão dura, tão injusta, tão cruel, tão desumana, que eu não saberia como cobrar um conforto e um abraço de quem devo abraçar e confortar.
Agradeço por ela existir.
Penso em nossa história.
Afinal, ela é tudo para mim hoje, mais do que eu achava que fosse ontem.
Há dois anos então, nossa! O amor só cresce.
Em palavras não ditas, escuto o ruidoso silêncio da respiraçãozinha dela, que não me deixa concentrar em outra coisa.
Dizem que Deus sempre falará para um pai que observa a filha dormir.
É verdade.
Se ele existe e algum dia falou comigo, não seria em outra situação.
Olho bem no centro do seu rostinho e penso disso tudo, que a mim fica a sensação de tudo ao mesmo tempo, do mais contraditório tipo: dos acertos na vida ao tempo perdido, do sonho errado, do passado que você nunca mudaria, do desânimo diante de uma caminhada que no fundo você pensa que pode não ser o melhor pra vida dela.
Não dá para definir se é tristeza, euforia, ansiedade, alegria, desilusão, esperança, razão, emoção, ou apenas angústia e preocupação.
Acho que é um misto de tudo isso com uma grande pitada de não saber nada sobre a vida.
É um misto de tudo.
Em que me despeço e peço, fico olhando até pegar no sono também, quando, aos poucos, vou apagando e esquecendo memórias de um futuro que ainda não foi.
Aceito o que o passado tem sido, sem glória, sem lamento.
Tento dormir pensando bem sobre tudo isso, e aprendo sob escombros das lembranças, sem que eu e ela, sem que ninguém se aventure ao resgate, pois num coração de verdade, não há chance de resgate, só remendos, apenas sangue estancado.
E é por isso que perceber toda inocência de um filho perante o mundo nos emociona, nos faz chorar, nos orgulha em alegria, mas também nos rasga o peito de dor.