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Alessandro Lo Bianco

Assistir a Valentina dormir é como mergulhar fundo num oceano de sensações.
Fico parado do computador escutando a respiração e babo em detalhes a minha filha.
Me perco, me encontro, me vejo hoje onde não pensava estar ontem.
Me disperso, me recolho, fico preocupado com a vida dela e busco forças.
Respiro, expiro, penso em seguir, mudar tudo.
Sigo no enigma mais claro e na sabedoria mais vulgar de tudo o que é, sem nenhuma razão especial de ser quando a vejo dormir.
Não hesito; me deixo levar nos pensamentos.
Ela me traz essa reflexão e o que vem dela deixo fluir.
Me deixo levar antes que seja tarde, antes que seja um poente finito.
Ela me ensina tanto, sem falar nada, com quatro anos, dormindo, só de olhar Entendo e aprendo que o despedir de um dia lindo que não se repetirá é, na verdade, uma cortina aberta para a verdade.
E que a linha do horizonte vista dessa janela e suas formas inalcançáveis sejam da força e da fonte para a noite que virá, pois lá, enquanto eu estiver vivo, vai dormir uma criança.
E olhando bem, dentro do coração dela, dorme também a criança que eu fui um dia, com todos os meus sonhos.
Olho, observo.
Ela ameaça acordar, mas dorme de novo ao receber meu carinho.
Que bom que ela ainda é criança.
A vida é tão difícil, tão dura, tão injusta, tão cruel, tão desumana, que eu não saberia como cobrar um conforto e um abraço de quem devo abraçar e confortar.
Agradeço por ela existir.
Penso em nossa história.
Afinal, ela é tudo para mim hoje, mais do que eu achava que fosse ontem.
Há dois anos então, nossa! O amor só cresce.
Em palavras não ditas, escuto o ruidoso silêncio da respiraçãozinha dela, que não me deixa concentrar em outra coisa.
Dizem que Deus sempre falará para um pai que observa a filha dormir.
É verdade.
Se ele existe e algum dia falou comigo, não seria em outra situação.
Olho bem no centro do seu rostinho e penso disso tudo, que a mim fica a sensação de tudo ao mesmo tempo, do mais contraditório tipo: dos acertos na vida ao tempo perdido, do sonho errado, do passado que você nunca mudaria, do desânimo diante de uma caminhada que no fundo você pensa que pode não ser o melhor pra vida dela.
Não dá para definir se é tristeza, euforia, ansiedade, alegria, desilusão, esperança, razão, emoção, ou apenas angústia e preocupação.
Acho que é um misto de tudo isso com uma grande pitada de não saber nada sobre a vida.
É um misto de tudo.
Em que me despeço e peço, fico olhando até pegar no sono também, quando, aos poucos, vou apagando e esquecendo memórias de um futuro que ainda não foi.
Aceito o que o passado tem sido, sem glória, sem lamento.
Tento dormir pensando bem sobre tudo isso, e aprendo sob escombros das lembranças, sem que eu e ela, sem que ninguém se aventure ao resgate, pois num coração de verdade, não há chance de resgate, só remendos, apenas sangue estancado.
E é por isso que perceber toda inocência de um filho perante o mundo nos emociona, nos faz chorar, nos orgulha em alegria, mas também nos rasga o peito de dor.

Sentado aqui na minha varanda, sozinho, olhando as luzes de tantas janelas em tantos prédios, e já na segunda taça de vinho, penso que a felicidade é uma palavra de difícil qualificação Comparada com uma cor, certamente teria várias nuanças.
Pode significar o estado de um ser ditoso, contente, alegre, de sorte, enfim, um indivíduo satisfeito com a vida por vários motivos.
E, nesta variedade de motivos, cabem várias reflexões.
Sem dúvida, a felicidade é um estado de espírito e, por isso, muito pessoal e variável.
De modo que a razão da felicidade de um, pode ser por outro ângulo, ainda que contrariamente, a razão da felicidade de outro.
Exemplo: o portador da boa saúde, forte, belo, econômica e financeiramente bem, é feliz por estas circunstâncias; outro, doente, feio, fraco e pobre, por motivos de crença kardecista, pode se sentir satisfeito e feliz, por admitir pelo que crê, que ao reencarnar ele mesmo escolheu uma vida de sacrifícios, para purgar erros e faltas cometidas em vidas anteriores e, com isso, atingir a perfeição espiritual, para ele mais valiosa que tudo.
É feliz por isso.
Um outro católico praticamente por viver bem e agraciado por pedir e receber dádivas celestiais que lhe são proporcionadas por seu deus e seus santos de devoção, vive deitado no armarinho da gratidão e felicidade; outro, da mesma crença, levando vida de cão, sofrendo agruras; julga se, também, conformado e feliz por considerar que tudo que sofre é um desígnio da divina providência e como tal deve entender como justo e aceita conformado e até agradecido.
É feliz também a seu modo.
Em outras palavras, o que é ótimo para uns pode ser ainda que em sentido completamente oposto, também aceitável para outro.
Uma espécie de felicidade pelo avesso.
O interessante é que este estado de espírito pode ser sentido, em certas circunstâncias, por uma coletividade inteira, ora sob o aspecto positivo, ora sob o aspecto negativo.
Assim, a chuva diluvial que atingiu inúmeras vezes o Rio de Janeiro e, principalmente a Região Serrana, destruindo barracos nos morros e atingindo, também bairros elegantes da zona sul do rio; essa chuva que levou um prefeito a apelar para oração para que não mais chovesse, pois não tinha meios para socorrer os desabrigados, é, sob outro aspecto, a mesma chuva salvadora de vidas em todo o Rio, que poderá salvar os reservatórios, mais uma vez que, sob um terceiro aspecto, vivemos há décadas dos eternos políticos que assentam as nádegas nas cadeiras do congresso.
O furacão que arrasta cidades, derruba torres, afunda barcos e mata muita gente nos EUA, considerado dos mais adiantados locais de progresso do mundo é o mesmo vento forte que no Saara, com o nome de Simum, refresca a atmosfera tórrida do Norte da África, estendendo sopro quente através do Mediterrâneo, temperando o clima de todo sul da Europa, considerado o ideal para o turismo da região.
Como se vê, a felicidade não é facilmente definível.
Tudo depende das circunstâncias.
Enfim, as luzes acesas de cada janela desses prédios, tão distantes, continuam iluminando o que estou vendo agora.
Tim Tim.