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Mensagens de Martha Medeiros

O CARTÃO
Eu tinha dezessete anos e era louca por um cara com quem trocava olhares, não mais que isso.
Ele era o legítimo "muita areia pró meu caminhão" e jamais acreditei que pudesse vir a se interessar por mim, o que me deixava ainda mais apaixonada, claro.
Mulher adora um amor impossível.
Então chegou o dia do meu aniversário.
No final da manhã eu estava em casa, contando os minutos para uma festa que daria à noite, quando a empregada apareceu com um cartão nas mãos, dizendo que o zelador o tinha encontrado embaixo da porta do prédio.
Abri e fiquei azul, verde, laranja: era dele! Corri para o telefone e liguei para a minha melhor amiga.
"Que trote bobo, você quase me mata de susto, pensa que não sei que foi você que escreveu o cartão " Ela jurou por todos os santos que
não.
Liguei para outra amiga.
"A letra é igual a sua, eu sei que foi você! " Não tinha sido.
Liguei para outra: "Você acha que eu vou acreditar que um cara lindo que nunca me disse bom dia veio até aqui largar um cartão amoroso desses " Ela me recomendou terapia.
Bom, diante de tantas negativas, só me restou pensar: "Outra hora eu descubro quem é que está tirando uma comigo".
E esqueci o assunto.
Semanas depois estava caminhando na rua quando encontrei o dito cujo.
Ele resmungou um oi, eu devolvi outro oi, e então ele perguntou se eu havia recebido o cartão de aniversário.
Minha pressão caiu, minhas pernas fraquejaram, eu só pensava: mas que idiota eu fui! O que iria responder "Recebi, mas jamais passaria pela minha cabeça que um homem espetacular como você, que pode ter a mulher que escolher, fosse entrar numa papelaria, comprar um cartão, escrever um texto caprichado, depois descobrir meu endereço e então pegar o carro, ir até a minha rua,
colocar o envelope embaixo da porta feito um ladrão, e aí voltar para casa e aguardar meu telefonema.
Olhe bem pra mim, eu não mereço tanto empenho."
Respondi: "Que cartão "
Ele soltou um "deixa pra lá" e foi embora se sentindo o mais esnobado dos homens.
E assim terminou uma linda história de amor que nunca começou.
Anos depois nos encontramos casualmente e tivemos um rapidíssimo affair, mais aí já não éramos os mesmos, não havia clima, ficamos juntos apenas para ver como teria sido se.
Vimos.
E não escutamos sinos, não fomos flechados pelo Cupido.
Cada um voltou para a sua vida e nunca mais tivemos notícia um do outro.
Contei essa história para um amigo outro dia e ele comentou que conhecia outras mulheres assim.
Epa, assim como Ora, assim medrosa, desconfiada, temendo pagar micos diante da vulnerabilidade que toda paixão provoca.
Ele estava certo.
Era assim mesmo que eu me sentia aos dezessete anos: medrosa e incapaz de levar um grande amor adiante.
Quando recebi o tal cartão, deveria ter ligado imediatamente para o meu príncipe encantado para agradecer e convidá lo para a festa.
E se ele tivesse dito: "Que cartão "
Eu responderia: "Deixa pra lá, mas venha à festa assim mesmo".
E então eu assumiria as conseqüências, não importa quais fossem.
O nomezinho disso: vida.
É sempre uma incógnita, portanto não vale a pena tentar fugir das decepções ou dos êxtases, eles nos assaltarão onde estivermos.
Se você for uma garota boba como eu fui, acorde.
Ninguém é muita areia pra ninguém.
Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.

ATÉ A RAPA
Olhe para um lugar onde tenha muita gente: uma praia num domingo de 40 graus, uma estação de metrô, a rua principal do centro da cidade.
Pois metade deste povaréu sofre de dor de cotovelo.
Alguns trazem dores recentes, outros trazem uma dor de estimação, mas o certo é que grande parte desses rostos anônimos têm um amor mal resolvido, uma paixão que não se evaporou completamente, mesmo que já estejam em outra relação.
Por que isso acontece Eu tenho uma teoria, ainda que eu seja tudo, menos teórica no assunto.
Acho que as pessoas não gastam seu amor.
Isso mesmo.
Os amores que ficam nos assombrando não foram amores consumidos até o fim.
Você sabe, o amor acaba.
É mentira dizer que não.
Uns acabam cedo, outros levam 10 ou 20 anos para terminar, talvez até mais.
Mas um dia acaba e se transforma em outra coisa: amizade, parceria, parentesco, e essa transição não é dolorida se o amor foi devorado até a rapa.
Dor de cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote.
O amor tem que ser vivenciado.
Platonismo funciona em novela, mas na vida real demanda muita energia, sem falar do tempo que ninguém tem para esperar.
E tem que ser vivido em sua totalidade.
É preciso passar por todas as etapas: atração paixão amor convivência amizade tédio fim.
Como já foi dito, este trajeto do amor pode ser percorrido em algumas semanas ou durar muitos anos, mas é importante que transcorra de ponta a ponta, senão sobra lugar para fantasias, idealizações, enfim, tudo aquilo que nos empaca a vida e nos impede de estar aberto para novos amores.
Se o amor foi interrompido sem ter atingido o fundo do pote, ficamos imaginando as múltiplas possibilidades de continuidade, tudo o que a gente poderia ter dito e não disse, feito e não fez.
Gaste seu amor.
Usufrua o até o fim.
Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize.
Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade.
Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo.
Isso é que libera a gente para ser feliz de novo.

Miss Imperfeita
Sou a miss imperfeita, muito prazer.
Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio, levo e trago filhos do colégio, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro as amigas, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, vou ao dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, faço reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas por mais disciplinada que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer não.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer não.
Culpa por nada, aliás.
Culpa zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta entrou na maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que você seria modelo!
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito e mamasse direitinho.
Você é humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye bye vida interessante.
Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos
É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser profissional sem deixar de existir.
Existir, a que será que se destina Destina se a ter o tempo a favor, e não contra.
Portanto, não queria sair por aí batendo records
Pense nisso!

A VIDA E AS ESTAÇÕES
Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que não acabasse nunca
A infância é como a primavera.
É pura novidade e um calor que não sufoca nem faz pensar bobagens.
Tem uma inocência quase cafona, uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente vem coisa boa.
A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais será tão protegido, a mordomia não será eterna.
É quando as coisas acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série.
A adolescência é como o verão.
Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e o que se teme.
É musical e fotogênica.
Dúvidas, dúvidas, dúvidas em frente ao mar.
Mergulha se no profundo e no raso.
Pouca roupa, pouca bagagem.
Curiosidade.
Vontade que dure para sempre, certeza de que passa.
Noção do corpo.
Festas e religião.
Amor e fé.
A maturidade é como o outono.
Um longo e instável outono,
que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa.
Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os melhores abraços.
Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante.
Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar.
É o outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice.
Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada.
O que não queremos que entre Maus presságios.
O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno.
Queremos que passe, temos medo que termine.
Ficar sozinho volta a ser aterrorizante.
O inverno é branco, é cinza, é prata.
É grisalho.
E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem, sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda noite.
Eu queria.

As fotos é que pagam o pato
Depois de uma briga histórica, daquelas de não deixar coisa nenhuma em pé, você se vê completamente sozinha, o romance acabou.
Ele não era nada daquilo que você pensava, é um cafajeste, um galinha, um insensível.
Você corre até a cozinha, pega uma tesoura afiada, voa para seu quarto e, bufando de ódio, tira do armário a caixa com todas as fotos que vocês tiraram durante o namoro e começa a (não faça isso, garota, você vai se arrepender, o cara fez parte da sua história, um dia esta raiva vai passar e você nem lembrará do rosto dele, vai querer recordá lo, larga esta tesoura, não faz bobagem, me escu ) picar bem picadinho todas as fotos em que aparecem juntos, menos aquela em que você está uma deusa esta você vai cortar pela metade, e a parte em que ele aparece vai para o lixo, naturalmente.
Serviço feito.
Nem mesmo um expert em quebra cabeças de 20.000 peças conseguiria juntar o olho direito com o olho esquerdo daquele infeliz, as fotos viraram farinha.
E agora Está se sentindo melhor
Você está se sentindo um trapo.
A dor da perda não se aplaca com um gesto extremado, e se o propósito era vingança, grande porcaria: o modelo fotográfico que foi esquartejado segue inteirinho da silva tocando a vida dele, não sentiu nem um arrepio quando você praticamente moeu seu sorriso lindo.
Ele tinha um sorriso lindo, não tinha
Você vai lembrar do sorriso, dos olhos, da boca ainda por muito tempo.
Picotar fotos é só a materialização de um desejo: gostaríamos que certas pessoas saíssem da nossa vida instantaneamente, bastando pra isso uma tesourada.
Mas o processo de despedida é bem mais lento e mais difícil.
É preciso deixar o tempo agir.
E o tempo age com mais parcimônia.
Mas quem quer saber de parcimônia Mulheres com o orgulho ferido seguirão mutilando seus álbuns de fotografia, arrancando cabeças, amputando casais que pareciam colados com superbonder.
Uma pena aleijar assim o passado, mas, por outro lado, talvez seja conveniente deixar bem livre este ímpeto destrutivo e o pouco apego às lembranças.
Nenhum problema em descarregar nosso ódio num pedaço de papel.
Sabe se lá o que aconteceria se o engraçadinho aparecesse na nossa frente e nos encontrasse com uma tesoura na mão.

O GRITO
Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra.
Ela sabe.
Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo para outro.
Ele sabe.
Não sei se quero continuar com a vida que tenho, pensamos em silêncio.
Sabemos, sim.
Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita.
Tentamos abafar este grito com conversas tolas, elocubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos planos: será infrutífero.
A verdade já está dentro, a verdade se impõe, fala mais alto que nós, ela grita.
Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve, que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada.
Costumamos desviar este amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno.
Podemos dar todas as provas ao mundo de que não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle.
A verdade grita.
Provoca febres, salta aos olhos, desenvolve úlceras.
Nosso corpo é a casa da verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular: algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona.
Mas a verdade é só uma: ninguém tem dúvida sobre si mesmo.
Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa emocional.
Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança.
Fazemos essas escolhas por serem as mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto.
Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma opção contrária ao que intimamente desejamos.
Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o esperado, e é feliz, puxa, como é feliz.
E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria viver!
Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto.
Sabe.
Eu não sei por que sou assim.
Sabe.

"Como Ser Legal" é o nome do livro que o escritor inglês Nick Hornby lançou este ano.
Conta a história de um cara que era um chato e que, quando percebe que seu casamento está indo para as cucuias, resolve se transformar num benfeitor, num boa praça: e se torna mais chato ainda.
Todo mundo quer ser legal, e todo mundo se ferra na empreitada.
É difícil ser legal o tempo inteiro.
A gente consegue ser legal a maior parte do tempo, mas aí faz uma besteira e pronto: tudo o que você fez de bom é imediatamente esquecido e você se torna apenas aquele que fez a grande besteira.
Aí você precisa de mais uns dois meses sendo exclusivamente legal para todo mundo esquecer da besteira.
E quando eles esquecem, você faz outra, claro.
Mas você é legal.
Você é simpático com os amigos, dá sempre uma força quando eles precisam.
Você puxa papo com o garçom, abre a porta do elevador para sua vizinha entrar, você acaricia a cabeça das criancinhas, você é fiel à sua namorada, você até empresta seus discos.
Você é 24 horas por dia legal, até o momento em que sua mãe pede para você almoçar na casa dela, você vai e diz que o suflê está intragável.
Está mesmo.
Mas ela diz que você fala isso só para implicar, aí você pede desculpas, aí ela diz que você nunca aparece e quando aparece é para reclamar, aí você diz para ela parar de fazer chantagem emocional e aí ela corre para o quarto chorando e você, que achava que sua mãe já estava na menopausa, descobre que ela ainda sofre de TPM.
Tem hora que é imprescindível chutar o balde.
Tem hora que é fundamental deixar a verdade nua e crua vir à tona.
Tem hora que você precisa dizer para sua namorada: eu te adoro, mas quero ficar sozinho hoje à noite, qual é o problema O problema é que ela passa a te odiar.
E você passa a achar que não tem vocação pra ser legal o tempo inteiro.
E é verdade.
Ninguém tem.
É cansativo.
Desgastante.
Já somos legais à beça por tentar.
Tem gente que nem isso.