A carta
Meu prezado e tão insigne amigo
Em cuja presença, eu me alegro,
Venho com meu soturno aspecto
Agradecer te, pelo convite digno
De cujas bodas, contigo, celebro
Não em corpo, mas, com espírito
Mesmo ausente, e, sempre aflito,
E com a feição fúnebre de féretro.
Desde já, oh peço te, sem jaça
Perdão, pela minha fria ausência,
Sobretudo, numa vazia presença
De motivos, explicarei nesta carta:
Ai de mim, amanhã não poderei ir,
Pois a previsão diz que vai chover
Depois de amanhã, o tempo ruim
Vai passar, mas, sinto: vou morrer.
Mas, ainda são nove horas Ora
O que fazes aqui vieste pousar
Fique em paz, Morte, até a aurora
Eu te despertarei, para tu levantar.
Descansa te, que não tem velório:
Eis um quarto de hóspede.
Durma
Não bagunces as folhas, e não fuja
Pela manhã, do meu frio escritório.
Eia, não misture as minhas poesias
Com estes atestados de óbitos, jaz
Meus reiterados cadáveres em paz
Deixai, com esta necrópsia e a vida.
Que, fugirá de mim a minha sombra
E levará as minhas mil madrugadas
Assumirá o meu corpo e vazia alma
E sonhará a voltar se ao assombra.
Tudo está tão silencioso.
Tão calmo
Que, as batidas do meu frio coração
Em sentimentos de fantasma solidão
Ouço ruindo aos meus leves passos.
Cada gota de sangue que, por ti, cai
Foi uma triste lágrima, que escondida
Sem derramar, num olhar, foi contida
De um coração, que, não pulsa mais.