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Luis Fernando Veríssimo

Eram quatro.
Reuniam se todos os sábados para beber, almoçar, beber, conversar e beber.
Amigos, como se diz, de longa data.
Um deles uma vez calculou que a data mais longa que existia, sílaba por sílaba, era vinte e oito de fevereiro de mil quatrocentos e alguma coisa.
Era este o tipo de conversa que ocupava o sábado dos quatro.
Semana após semana, ano após ano.
Mas ultimamente a conversa tinha começado a ficar séria.
Quanto mais eles bebiam, mais séria e pessoal ficava a conversa.
No fim do dia os quatro se faziam confidências antes inimagináveis.
E os insultos que antes trocavam por amizade, já que brasileiro só xinga a mãe do pior inimigo ou do melhor amigo, agora eram para valer.
Acusavam se mutuamente de tudo, buscavam mágoas enterradas há anos e exigiam reparação.
Os ressentimentos se empilhavam sobre a mesa como os pratos vazios e eles só não iam à agressão física porque ninguém tinha condição de acertar ninguém.
Chegavam ao fim do sábado tão bêbados que no dia seguinte nenhum se lembrava do que tinha dito na noite anterior, muito menos o que tinha ouvido.
Quando se reuniam no sábado seguinte, sabiam que tinham razões para se odiarem, ou para não se olharem mais nos olhos, só não se lembravam quais eram.
O máximo que conseguiam era resgatar trechos da conversa, fragmentos com os quais tentavam reconstituir a orgia de revelações de uma semana antes.
Todos os sábados tinham uma epifania sentimental que esqueciam no domingo.
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Então, fizeram o seguinte.
Convocaram o Alcides para ajuda los.
Era o garçom que os servia aos sábados.
Na verdade, seu nome não era Alcides, mas como o primeiro garçom que os servira no lugar se chamava Alcides, todos os outros herdaram o nome.
Como o nome César dado a todos os imperadores de Roma depois de César.
Alcides!
O plano era o Alcides ligar o gravador que deixariam sobre a mesa, quando notasse que eles tinham entrado na fase confessional.
O Alcides fez o combinado, e teve o cuidado de guardar o gravador até a outra reunião.
No sábado seguinte, antes mesmo do primeiro aperitivo, os quatro ligaram o gravador para ouvir a fita.
Não se entendia nada.
Todos falavam ao mesmo tempo.
Até que uma voz se destacou, silenciando as outras com sua veemência.
Era eu! Era eu!
O quê
Me deixem contar! Eu quero contar!
Conta.
Naquela noite! Era eu!
O que, pô
No quarto.
Com a Nonô.
Era eu! A história do assaltante foi invenção.
Eu e a Nonô
Foi o marido da Nonô que apertou o botão, interrompendo a confissão.
Foi o marido da Nonô que chamou “Alcides! ” e sugeriu que esquecessem o gravador e começassem os trabalhos de sábado.
Foi o marido da Nonô que especificou, depois de pedir uma caipirinha sem muito açúcar:
E as bolinhas de queijo.
Querendo dizer que a vida é muito curta.

A conversa já passara por todas as etapas por que normalmente passa uma conversa de bar.
Começara choca, preguiçosa.
O mais importante, no princípio, são os primeiros chopes.
A primeira etapa vai até o terceiro chope.
Do terceiro ao quarto chope, inclusive, contam se anedotas.
Quase todos já conhecem as anedotas, mas todos riem muito.
A anedota é só pretexto para rir.
A mesa está ficando animada, isso é o que importa.
São cinco amigos.
Eu disse que eram cinco à mesa Pois eram cinco à mesa.
Dois casados, dois solteiros e um com a mulher na praia quer dizer, nem uma coisa nem outra.
E entram na terceira etapa.
Durante o quinto e o sexto chope, discutem futebol.
O que nos vai sair desse tal de Minelli Olha, estou gostando do jeito do cara.
E digo mais, o Grêmio não aguenta o roldão nesta fase do campeonato.
Quer apostar Não aguenta.
Porque isto e aquilo, que venha outra rodada.
E escuta, ó chapa pode vir também outro sanduíche aberto e mais uns queijinhos.
O sétimo chope inaugura a etapa das graves ponderações.
Chega a Crise e senta na mesa.
O negócio não está fácil, minha gente.
Vocês viram a história dos foguetes Na Europa, anda terrorista com foguete dentro da mala.
Em plena rua! O nego entra num hotel, pede um quarto, sobe, abre a mala, vai até a janela e derruba um avião.
Derruba um avião assim como quem cospe na calçada!
São homens feitos, homens de sucesso, amigos há muitos anos.
Nenhum melhor do que o outro.
A etapa das graves ponderações deságua junto com o nono chope, na etapa confidencial.
Pois eu ouvi dizer que quem está por trás de tudo Agora todos gritam, as confidências reverberam pelo bar.
Os cinco estão muito animados.
Um deles ameaça ir embora, mas é retido à força.
Outra rodada! Hoje ninguém vai pra casa.
Começa a etapa inteligente.
Todos dizem frases definitivas quem nenhum ouve, pois cada um grita a sua ao mesmo tempo.
Doze chopes.
Treze.
Começa uma discussão, ninguém sabe muito bem se sobre palitos ou petróleo.
A discussão termina quando um deles salta da cadeira, dá um murro na mesa e berra: "E digo mais! " Faz se silêncio.
O quê O quê "Eu vou fazer xixi "
Com quinze chopes começa a fase nostalgia.
Reminiscências, auto reprimendas, os podres na mesa.
As grandes revelações.