Eram quatro.
Reuniam se todos os sábados para beber, almoçar, beber, conversar e beber.
Amigos, como se diz, de longa data.
Um deles uma vez calculou que a data mais longa que existia, sílaba por sílaba, era vinte e oito de fevereiro de mil quatrocentos e alguma coisa.
Era este o tipo de conversa que ocupava o sábado dos quatro.
Semana após semana, ano após ano.
Mas ultimamente a conversa tinha começado a ficar séria.
Quanto mais eles bebiam, mais séria e pessoal ficava a conversa.
No fim do dia os quatro se faziam confidências antes inimagináveis.
E os insultos que antes trocavam por amizade, já que brasileiro só xinga a mãe do pior inimigo ou do melhor amigo, agora eram para valer.
Acusavam se mutuamente de tudo, buscavam mágoas enterradas há anos e exigiam reparação.
Os ressentimentos se empilhavam sobre a mesa como os pratos vazios e eles só não iam à agressão física porque ninguém tinha condição de acertar ninguém.
Chegavam ao fim do sábado tão bêbados que no dia seguinte nenhum se lembrava do que tinha dito na noite anterior, muito menos o que tinha ouvido.
Quando se reuniam no sábado seguinte, sabiam que tinham razões para se odiarem, ou para não se olharem mais nos olhos, só não se lembravam quais eram.
O máximo que conseguiam era resgatar trechos da conversa, fragmentos com os quais tentavam reconstituir a orgia de revelações de uma semana antes.
Todos os sábados tinham uma epifania sentimental que esqueciam no domingo.
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Então, fizeram o seguinte.
Convocaram o Alcides para ajuda los.
Era o garçom que os servia aos sábados.
Na verdade, seu nome não era Alcides, mas como o primeiro garçom que os servira no lugar se chamava Alcides, todos os outros herdaram o nome.
Como o nome César dado a todos os imperadores de Roma depois de César.
Alcides!
O plano era o Alcides ligar o gravador que deixariam sobre a mesa, quando notasse que eles tinham entrado na fase confessional.
O Alcides fez o combinado, e teve o cuidado de guardar o gravador até a outra reunião.
No sábado seguinte, antes mesmo do primeiro aperitivo, os quatro ligaram o gravador para ouvir a fita.
Não se entendia nada.
Todos falavam ao mesmo tempo.
Até que uma voz se destacou, silenciando as outras com sua veemência.
Era eu! Era eu!
O quê
Me deixem contar! Eu quero contar!
Conta.
Naquela noite! Era eu!
O que, pô
No quarto.
Com a Nonô.
Era eu! A história do assaltante foi invenção.
Eu e a Nonô
Foi o marido da Nonô que apertou o botão, interrompendo a confissão.
Foi o marido da Nonô que chamou “Alcides! ” e sugeriu que esquecessem o gravador e começassem os trabalhos de sábado.
Foi o marido da Nonô que especificou, depois de pedir uma caipirinha sem muito açúcar:
E as bolinhas de queijo.
Querendo dizer que a vida é muito curta.