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Li Azevedo

MochilAR
Eu amo o Brasil, eu amo o meu trabalho, e eu amo muito mais a minha família e meus amigos.
Mas infelizmente eu vivo em um País no qual esse amor não é correspondido a contento em razão dos inúmeros problemas sociais, frutos principalmente de um câncer chamado corrupção, tão antigo quanto endêmico e letal.
E enquanto esse filme se repete a todo o tempo, independentemente de trocas de governos, legítimos ou não, nós brasileiros, embora “donos” de um dos mais belos países do mundo, morremos à míngua, por asfixia, todos os dias e noites, por falta de segurança, nas filas de hospitais públicos, de fome, de ignorância, e a cova para a nossa esperança também já nos espera.
Foi exatamente nesse ponto que a Europa entrou em minha vida.
Não, eu não gostaria de viver em outro país senão o Brasil, mas eu gostaria muito de viver em um país no qual, por exemplo, ricos, pobres, negros, homossexuais, mulheres e portadores de necessidade especiais compartilhassem o mesmo vagão de metrô, sem que isso fosse considerado anormal.
E assim como cada conterrâneo meu tem a sua “válvula de escape” para continuar nesse relacionamento doentio, eu também encontrei a minha: Viajar, sobretudo para lugares nos quais eu respire sem a obrigação de carregar nas costas um balão de oxigênio.
Daí são vários meses de trabalho duro, inúmeros feriados não aproveitados junto à família e amigos para ir ali, a alguns milhares de quilômetros do Brasil, só para passar, a pé, em uma faixa de pedestre sem ter que apontar o dedo do meio ao motorista que não para, e ser mais mal educada que ele, só para ver pessoas com livros nas mãos em qualquer parte da cidade, nas praças, nos parques, nos ônibus, trens, só para pagar 30 euros, de avião, para ir de um continente a outro, só para me distanciar um pouco, por pouco tempo, de números tais como “cinquenta e oito vítimas de homicídio a cada oito horas no Brasil”, que para mim são mais que estatísticas, é oxigênio jogado fora do cilindro.
E quando ele está vazio, eu tenho mesmo que viajar para reabastecê lo.
Não, a Europa não é um paraíso.
Também tem inúmeros problemas sociais, tais como desemprego, mendigos, em alguns lugares, xenofobia, em outros, ainda homofobia, mas, por enquanto e enquanto um político brasileiro, nos moldes como são sempre os nossos, for impedido de ter acesso e meter a mão ao quinhão que não lhe compete por lá, será possível caminhar pela Europa, a pé, com uma mochila nas costas, e não com um cilindro de oxigênio, vazio.

Cicatriz
Sabe que não dói mais como antes – disse me ela, fixando o olhar em um ponto oposto ao meu, na tentativa de não ter sua evasiva analisada por mim.
E continuou a se enganar.
Saiu com os amigos, dançou, pulou, sorriu, falou alto, exorcizou os demônios, se indispôs com alguns anjinhos, se sentiu livre, feliz Feliz Quase feliz!
O fato é que dali a alguns dias, o telefone começa a tocar.
Opa! Admirador na área! A vida seguia seu rumo.
Afinal, essa é a ordem natural das coisas, não é mesmo A palidez de seu olhar, entretanto, denunciava a ausência de emoção em sua voz, por mais que se esforçasse gentil.
Mais alguns dias, e um bouquet à porta.
Puxa vida! Deve ter custado uma nota!
Ela não reparou na beleza das flores cuidadosamente escolhidas e arranjadas por debaixo de um belo cartão enviado.
Rosas vermelhas! Mas rosas que não exalavam cheiro de amor, não lhe representavam nada, muito diferente daquele bouquet recebido meses atrás, no dia de seu aniversário.
Mesmo assim, recebeu, agradeceu e sorriu, com direito a sufocar toda dor que sentia naquele momento.
Foi aí que a realidade lhe caiu à cabeça.
Na verdade, ainda doía.
Na verdade, ainda não tinha passado.
Na verdade, ainda estava em carne viva!
Então ela percebeu que ele tinha mesmo ficado, ficara em forma de ferida, que com o tempo se tornaria uma cicatriz.
Mas, por enquanto, ainda estava visível E por isso, as pessoas se afastavam com medo de se machucarem também, e outras, queriam curá la, algumas até mesmo escondendo a própria cicatriz, pequenina com o passar dos meses.
Ela sabia que um dia a sua cicatriz também se reduziria, seria levada para outra parte do corpo, talvez para um lugar que não mais lhe incomodasse ou pudesse ser vista à olho nu.
Porém, ela continuaria ali, contornada pelas lembranças que se fixam à pele como se dela fosse parte.
E ainda que outra pessoa a fizesse sorrir, vez ou outra, a cicatriz seria apontada, questionada, encontrada
Mas ela sabia que ele também carregaria a mesma cicatriz.
E mesmo que outra pessoa o fizesse sorrir, ela continuaria ali, marcada em seu corpo, tatuada à pele, fazendo parte dela.
E se algum dia não fosse mais encontrada, ainda assim ela estaria ali, tatuada à alma, uma cicatriz na alma, completamente impassível e imune à qualquer tratamento de cura