Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.
Sou, bem sei, uma voz que clama no deserto.
Não se esqueça porém V.
Ex.ª que a voz que clamou no deserto foi a que anunciou o Salvador.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu.
Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços ( )
Despi a realeza, corpo e alma
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia
Mas como é que eu sei que estou consciente Estou consciente de que estou consciente Será isto possível
Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada
( Alberto Caeiro [Heterônimo de Fernando Pessoa])
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
O que confesso não tem importância, pois nada tem importância.
Faço paisagens com o que sinto.
Se depois de eu morrer.
quizerem escrever a minha biografia, não há nada mais simples.Tenho só duas datas : a de minha nascença e a de minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus