Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde, Vem não sei como, e dói não sei porquê.
Não há alma sem corpo, que tantos corpos faça sem almas, como este purgatório a que chamais honra: onde muitas vezes os homens cuidam que a ganham, aí a perdem.
Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo, desta vida, descontente Repousa lá no Céu eternamente E viva eu cá na terra sempre triste.
Verdade, amor, razão, merecimento Qualquer alma farão segura e forte, Porém, fortuna, caso, tempo e sorte Têm do confuso mundo o regimento.
Amor é fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer
Busque Amor novas artes, novo engenho, Para matar me, e novas esquivanças; Que não pode tirar me as esperanças, Que mal me tirará o que eu não tenho.
A Morte, que da vida o nó desata, os nós, que dá o Amor, cortar quisera na Ausência, que é contra ele espada fera, e com o Tempo, que tudo desbarata.
Prometeis, e não cumpris Pois sem cumprir, tudo é nada.
Não sois bem aconselhada; que quem promete, se mente, o que perde não o sente.
Mudam se os tempos, mudam se as vontades, Muda se o ser, muda se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
Desculpa me o que vejo Que se, enfim, resisto Contra tão atrevido e vão desejo, Faço me forte em vossa vista pura, E armo me de vossa formosura.
Que o de que vive o mundo são mudanças.
Mudai, pois, o sentido e o cuidado.
Somente amando aquelas esperanças Que duram para sempre com o amado.
Nunca vi coisa mais para lembrar, e menos lembrada, que a morte: sendo menos aborrecida que a verdade, tem se em menos conta que a virtude.