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Álvares de Azevedo

SAUDADES
Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi
E às primaveras disse adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!
Vinte anos! derramei os gota a gota
Num abismo de dor e esquecimento
De fogosas visões nutri meu peito
Vinte anos! sem viver um só momento!
Contudo, no passado uma esperança
Tanto amor e ventura prometia
E uma virgem tão doce, tão divina,
Nos sonhos junto a mim adormecia!
Quando eu lia com ela e no romance
Suspirava melhor ardente nota
E Jocelyn sonhava com Laurence
Ou Werther se morria por Carlota
Eu sentia a tremer e a transluzir lhe
Nos olhos negros a alma inocentinha
E uma furtiva lágrima rolando
Da face dela umedecer a minha!
E quantas vezes o luar tardio
Não viu nossos amores inocentes
Não embalou se da morena virgem
No suspirar, nos cânticos ardentes
E quantas vezes não dormi sonhando
Eterno amor, eternas as venturas
E que o céu ia abrir se e entre os anjos
Eu ia despertar em noites puras
Foi esse o amor primeiro! requeimou me
As artérias febris de juventude,
Acordou me dos sonhos da existência
Na harmonia primeira do alaúde.
Meu Deus! e quantas eu amei Contudo
Das noites voluptuosas da existência
Só restam me saudades dessas horas
Que iluminou tua alma d'inocência.
Foram três noites só três noites belas
De lua e de verão, no val saudoso
Que eu pensava existir sentindo o peito
Sobre teu coração morrer de gozo.
E por três noites padeci três anos,
Na vida cheia de saudade infinda
Três anos de esperança e de martírio
Três anos de sofrer e espero ainda!
A ti se ergueram meus doridos versos,
Reflexos sem calor de um sol intenso,
Votei os à imagem dos amores
Pra velá la nos sonhos como incenso.
Eu sonhei tanto amor, tantas venturas,
Tantas noites de febre e d'esperança
Mas hoje o coração parado e frio,
Do meu peito no túmulo descansa.
Pálida sombra dos amores santos!
Passa quando eu morrer no meu jazigo,
Ajoelha ao luar e entoa um canto
Que lá na morte eu sonharei contigo.