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Alessandro Lo Bianco

Ainda sobre o Catete, comecei a ver um "cara de rua" direto Vive nas imediações do Museu do Catete.
Negro, boa complexão física, aparentando uns 50 anos.
Usa, habitualmente, roupas rasgadas deixando à mostra, por desgraça, vamos reforçar, o que os nudistas exibem por prazer.
Seu corpo é infestado de parasitas e por isso vive se coçando.
Tem aquelas tromboses com lepra nos tornozelos e grita poemas a seu modo, ali em frente a lanchonete Big Bi; xinga as crianças que saem do palácio e o provocam, ou pára em frente ao palácio e perde a compostura xingando o governo pelo que ele acusa de "roubalheira nas eleições".
Dorme na calçada, ou, quando chove, se vê obrigado a dormir sob as coberturas da Rua do Catete, da Rua Pedro Américo, ou adjacentes Não dá pra deixar de reparar que ele é extremamente admirador do palácio Por vezes pára, e fica com uma cara de pão doce, imóvel, olhando o imóvel.
Vive por isso fazendo versos em homenagem ao palácio.
Versos gozadíssimos, cujas rimas param algumas pessoas mais perceptivas O seu nome, ou apelido, não consegui descobrir ainda.
Sempre que tento, quando ele está mais calmo, recitando os versos em frente ao palácio, é sábado ou domingo, quando as crianças ficam provocando o pobre homem, que, ao perceber a gozação, inicia uma série decorada de palavrões impossibilitando me de qualquer contato.
Ainda lembro de alguns versos: "Tcham, tcham, tcham, ninguém faz nada por mim, tchan tchan tchan também quero casas".
São uns versos meios bizarros mesmo, no estado bruto.
Esse "tcham", é pra entender que ele canta seus versos.
A melodia, se bem me lembro, é quase igual ou semelhante em todos os versos, sobre tudo, sem estribilho.
Ele bebe, vive de esmolas, e quando as recebe agradece com bons modos, os restos de comida de quem sai da lanchonete e mitiga sua fome.
Mas, desde que não discordem do que ele diz durante a aproximação.
Se alguém der uma esmola, e ainda der um conselho, é certo a descompustura e, de acordo com o grau do conselho ( "o senhor tem que parar de beber", "cadê a sua família, procure sua família", "procure um trabalho") ele chega, por vezes, a atirar no doador da esmola a própria esmola recebida.
Até agora apurei que, assim como eu, ele também tem seus momentos de introversão.
Reparei que é sempre quando está chovendo.
Nessas ocasiões, quando passo por ele, está sentando na calçada com uma parada tipo um pregador de varal, daqueles antiguinhos de madeira, e com ele inicia um rápido movimento entre os dedos, fazendo com que o pregador deslize ao longo do polegar até o indicador.
Assim está sempre quando chove.
Parece que fica curtindo sua desgraça, ruminando o passado possivelmente melhor do que o presente, e certamente bem melhor do que o futuro sem esperanças.
Sem esperanças porque não podemos ser hipócritas; um ser humano alheio a tudo e a todos.
Sua figura marcante de miserável de rua se apresenta bem nítida e ninguém liga.
Sua vida vai passando despercebida pelas ruas do Catete.
Diferente de nós, ninguém reza por ele, ninguém chora por ele, nem velas serão acesas para ele Contudo, graças ao passaporte da bem aventurança, irá logo logo para o céu, igual a todos nós!! Feliz Carnaval.

Das crianças agora comecei a ter contato com uma figurassa.
O filho de 4 anos do síndico do meu prédio, o Gabriel, que vai jogar bola numa parte do terraço que é colada na minha varanda.
É o filho do meio de uma família bem situada na sociedade e, como natural, muito mimado pelos pais e um outro irmão.
Goza de perfeita saúde e leva uma vida normal das crianças da sua idade.
Está sempre aqui no terraço brincando sozinho, jogando bola, tentando, pelo o quê eu escuto, imitar os craques da seleção.
Aí começo a me identificar com ele.
Como eu, ele também é, pelo que percebo, controlado por uma necessidade de fazer gol que lhe acompanha, diariamente, até o momento de dormir.
Como eu fui um dia, apesar do carinho dos pais e do irmão mais velho, deve se sentir sozinho nos períodos escolares, sem parceiros para as traquinadas da idade.
A não ser nos dias de domingo, quando reparo que o levam para uma vila aqui atrás, onde ganha a rua para brincar com alguns garotos da sua idade, mas jamais afastando se do local.
Cópia do que eu fui, também ele joga sua bola imaginando dribles impossíveis e gols inimagináveis dos craques de hoje.
Aí que entra a questão, quando ele dá um gritinho Vai "NIUMÂ" (Neymar) e a bola cai aqui na minha varanda hahaha.
Como os chutes estão frequentes nos finais de semana, ele já me chama na intimidade, com uma ousadia impressionante: "XIÔÔ (tio), "QUÉ" PANHÁ BÓIA".
E lá vou eu devolver a bola para que o jogo não pare por incompetência do gandula.
E daí, talvez, a gratidão manifestada pelos cumprimentos e acenos de mão com que me agracia ao passar por mim agora na portaria.
Tentando avaliar o peso da cruz que cada um carrega e, sobretudo, vendo o Gabriel, nos finais de semana me posicionando como gandula na varanda, e nunca deixando de me cumprimentar ao me encontrar na portaria ou na rua, espero que ele possa crescer sem encontrar maiores obstáculos no mundo cão em que vivemos, e que este século que ele irá enfrentar adulto seja menos violento e ofereça às pessoas maiores possibilidades de realização dos sonhos de vida.
Sinceramente é o que eu desejo ao meu "amigo" Gabriel

No dia das crianças, uma auto reflexão da minha infância: retardado mental, inofensivo, brincalhão, debochado; quando bem pequeno, montava no cabo de vassoura no quintal da casa do meu avô, e imaginava ser um cavalo.
Assim, quando ia com ele no mercado, galopeava pelas ruas da Vital Brasil, parando em frente ao barzinho de esquina, na subida da rua Senador Vergueiro, quando iniciava um show fazendo meu cavalo relinchar, de modo que o cabo da vassoura, por várias vezes, atingia as pernas dos que estavam por perto, enquanto meu avô pedia desculpas rindo.
Quando isso acontecia, meu avô, mais debochado do que eu, olhava para a pessoa e ainda fingia que estava dando uma chicotada no meu cavalo imaginário para o atingido ver, o que me deixava transtornado.
Não se bate em animais.
Meu cavalo fez época e o nome dele era Araraboia.
Meu avô entrava na minha viagem.
Quando eu pegava a vassoura, ele colava umas fitas de Senhor do Bonfim que tinha a rodo naquela época colorindo o cabo inteiro, No meu peito, colocava medalhas de santos e broches de clubes.
Eram as medalhas das guerras que haviam me condecorado.
A distância máxima que percorri com meu cavalo foi da Vital Brasil até a Moreira César, em Icaraí.
Na volta, pegamos um táxi e perdeu a graça.
Uma vez, meu avô foi jogar carta com os amigos no quintal.
Estava assistindo televisão.
Ele passou, apertou o botão da tv rindo, e perguntou onde estava Arariboia.
Respondi que não queria mais montar naquele cavalo.
Disse que havia crescido.
Ostentei na cara do velho! Ele então me respondeu que já era velho, mas que mesmo assim o que mais lhe impressionava no meu cavalo, naquele momento, era o rosto.
Segundo ele, a impressão que dava naquela manhã era que estava inchado.
Disse que os poucos dentes estavam cariados e sujos, e que, certamente, só a piscina do quintal, naquele dia de sol, poderia esbranquiçar os dentes do bicho.
De repente, começou a dizer que dos cantos da boca do meu cavalo escorria uma "baba bovina" que ele estava limpando com as patas manchando o sofá da sala.
Disse que o animal estava no canto da sala ruminando lembranças de quando eu era pequeno.
Disse ainda que o som que meu cavalo emitia naquele instante, como uma espécia de ronco, contínuo, monótono, eram como pedaços de músicas esquecidas, mas que muitas crianças queriam cantar.
Na época, não entendi essa frase, mas lembro bem dela.
Disse que já estava escutando esse ronco do cavalo que durava duas horas, dando a impressão de que ele estava morrendo.
Perguntei como, sem perceber que estava entrando na onda dele, e ele respondeu que parecia um peixe no chão se debatendo e abrindo os brônquios: foi então que, meio descompassado com a interpretação realística do meu avô, avistei a piscina da sala, o tal Oásis que ele dizia ser capaz de ressuscitar o Arariboia.
Quando saí da sala com a vassoura, a velharada amiga do meu avô gritava em coro: "pule com ele na água, pule com ele! E Tchibum, me joguei na piscina e depois avistei meu avô vindo atrás e jogando na água todos os broches e tudo mais.
Fiquei ali enquanto eles jogavam carteado por mais de três horas.
Rolou um churrascão.
Isso tudo pra dizer (pra quem tem filho pequeno é mais fácil) que nossos cavalos vivem dentro de nós o tempo inteiro, mas asilados nos abrigos e cocheiras da idade, das dores, das dificuldades.
A idade só nos faz tirar a "montaria" do cabo de vassoura.
Acalma nos, porém, o espírito O amor, o tempo leva