Recalque.
Há quem diga que quem criou o conceito foi Valesca Popozuda.
Outros atribuem a Sigmund Freud.
Talvez seja Clarice Lispector, talvez seja Voltaire, talvez seja Tati Quebra Barraco.
Não vem ao caso.
O que sei é que o conceito moderno de recalque é simplesmente genial e indispensável.
Porque tem dias que a gente simplesmente se cansa dessas pessoas de vida chata, cuja maior diversão é julgar a conduta alheia, observada de longe com olhinhos cinzentos.
Tem dias que a gente cansa do recalque com o beijo gay da novela.
Com o beijo gay do amigo de infância.
Com o beijo hétero da amiga que está piriguetando feliz da vida.
Com o beijinho no ombro da musa.
Cansa do recalque de quem não tem culhões para fazer o que tem vontade e fica condenando a vida alheia.
De quem tem uma vida quadrada e desinteressante, que culmina nessa tristeza de ter como passatempo favorito a censura da alegria dos outros.
Cansa daquela gente que não interage nas redes sociais, mas está lá, todo dia, amarguinha, julgando a foto da prima, o post do vizinho, os likes do ex namorado da madrasta do jardineiro do prédio.
Um misto entre fantasma e fiscal de trânsito.
Cansa, simplesmente caaaaansa do recalque.
Cansa de quem não se joga no sambão, de quem não desce até o chão, mas faz questão de demonstrar reprovação.
Cansa de quem não fica suado, não se arrisca a ser engraçado, mas adora demonstrar o quanto está chocado.
Cansa de quem não usa descolorante, não suporta refrigerante e confunde ser insosso com ser elegante.
Cansa de quem não se posiciona em relação a nada, quem acha um horror a discussão política inflamada, mas adora falar que o país é uma palhaçada.
Cansa de quem não chora de rir, não larga tudo quando quer ir e leva uma vida que precisa de projeto para sorrir.
Cansa de quem não gosta do que você escreve, quem condena as palavras que você não mede, mas na hora do pedido de amizade: pede.
Cansa de quem é velho aos vinte, de quem não vira amigo do pedinte, e que vai ler o que você posta e vai dar print.
Cansa de quem vive de aparência, de quem não tem resquícios de adolescência e se orgulha do seu nível de decência.
Cansa de quem não quer se expor, não se arrisca a morrer de amor, mas inveja, secretamente, toda essa falta de pudor.
Ai, sério, cansei.
Deixo apenas um grande beijo pro recalque, desejando que toda invejinha malvada se transforme em vontade de viver.
Vamos viver, recalcados!
Juntem se a nós, vocês verão que a vida é bem melhor quando você investe na arte de sambar na cara da sociedade, ao invés de ficar na plateia analisando quem está fora do ritmo, quem está com as coxas flácidas e quem borrou a maquiagem.
Venham pra pista, recalcados!
Porque nós podemos ter mil e um defeitos, mas temos o tesouro de não ver ninguém como afronta ou concorrência.
Vamos receber vocês muito bem.
Vocês verão que a vida desrecalcada é uma verdadeira delícia.