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Ruth Manus

Não é por causa de amarras, de juras, muito menos de cadeados.
Não é porque eu precise acreditar que é eterno ou que a gente tenha que ser passado, presente e futuro incondicional.
Não.
Eu quero você por muito tempo, mas não por esse lance de “pra sempre”.
Isso não tem a minha cara, já li mais Bauman do que contos de fadas.
Duração imposta por promessas de amor eterno não me soa como caminho feliz, mas como uma chegada obrigatória num lugar completamente sem sentido.
Quando penso na gente, o que eu quero é mais tempo.
Horas que durem mais, noites que não acabem, manhãs que não sejam interrompidas pela hora do almoço, primaveras que demorem para virar verão, verão que não veja folhas antecipadas de outono.
Quero mais tempo porque ainda preciso fazer muita coisa com você.
Sim, a gente já caminhou bastante.
Já correu para não perder o ônibus, para não perder o voo, para não se perder de vista.
Já descobriu o restaurante da rua de trás, o brinquedo do kinder ovo, uma ou outra mentira, tudo bem.
Já tomou uns porres, café da manhã na padaria, tomou coragem pra dizer tanta coisa.
Mas ainda falta Falta muito.
Falta tanto!
Ainda falta a gente achar uma árvore de pitanga bem carregada e competir quem cospe o caroço mais longe.
Também falta o pé de amora, pra manchar a sola do sapato e virar história.
Falta te mostrar aquele lugarzinho da minha infância que provavelmente você nem vai ligar muito, mas eu quero mostrar mesmo assim.
Falta estar passeando numa tarde quente e cair um pé d’água para a gente tomar banho de chuva enquanto um músico de rua toca Lenine debaixo de um toldo verde.
Falta pegar tatu bola pretinho de jardim e dar peteleco pra ficar redondo.
Falta a gente entender bastante de vinho (ou pelo menos conseguir fingir melhor que entende) e juntar dinheiro para desbravar vinícolas ensolaradas que nem nos filmes.
Falta você fazer aquela carne de porco que cozinha 14 horas que você sempre diz que vai fazer, mas no fim só sai ovo mexido.
Falta um monte de temporadas de um monte de séries.
Falta descer gramado sentado em caixa de papelão.
Falta a gente comprar o mesmo livro, ler na beira da piscina tomando um coquetel mais bonito do que gostoso e, no fim, discutir impressões não muito profundas sobre o enredo.
Falta você aceitar a ideia de que eu canto muito bem, você que ainda não soube ouvir com bastante atenção.
Falta o frango com molho de cerveja da minha avó.
Falta você me flagrar dormindo numa tarde de domingo, enquanto um último feixe de sol ilumina meu rosto e o vizinho de cima colocar Stevie Wonder para cantar e te fazer, em silêncio, encostado no batente da porta, me achar tão lovely, tão wonderful, tão precious.
Talvez ainda falte um juiz de paz, um bom marceneiro, um fiador, um obstetra, um empréstimo do banco.
Não sei, esses últimos são hipóteses.
Todo o resto é certeza.
Principalmente o tatu bola e o feixe de sol.
Eu quero você por muito tempo, por um milhão de momentos, por dias e mais dias.
Talvez isso seja menos que pra sempre.
Ou talvez seja bem mais.
Mas é a certeza que posso te dar: eu quero que você fique.
Vê se fica, tá
Fica porque ainda falta muita coisa.