A mulher mais linda da cidade
Minha mãe não entende o porquê eu não mudo mesmo depois dela ter me dado tantas broncas, mesmo depois de ter crescido, mesmo depois de passar a bancar o garoto maduro.
Não entende que, mesmo depois dos vinte, eu nunca vou conseguir tomar sorvete ou comer macarrão sem me lambuzar feito uma criança de quatro anos, e ela vai sempre como uma boba ter que tirar às pressas a mancha da camisa branca, porque eu sempre digo que aquela é a minha preferida.
Não entende que eu nunca vou me acostumar em acordar cedo, que eu vou sempre estar atrasado, correndo, atropelando os horários das refeições.
E vai passar a vida reclamando que eu como coxinha de padaria, e que logo pegarei uma fraqueza e vou parar num hospital.
Acho que ela não vai entender que eu nunca vou aprender a colocar água na forminha de gelo sem derramar, nem conseguir soltar uma gargalhada um pouco mais baixa, seguindo os bons modos que ela sempre me ensinou.
Ela vai continuar reclamando que eu meto a mão na panela, que eu abro o forno antes do bolo ficar pronto.
Não entende que eu nunca vou conseguir deixar de bater o dedinho do pé na quina, muito menos parar de ralar meus joelhos.
Que volta e meia vou aparecer com um corte, mas não vou conseguir explicar como foi.
E ela vai sempre como uma boba, com a testa vincada, preocupada ao ver o ferimento.
Ela nunca vai entender que, ainda que eu tenha crescido, eu nunca vou aprender a descascar laranja, como também nunca vou aprender a fazer um bom suco, arrumar as malas para uma viagem sem colocar todo o meu guarda roupa lá dentro.
Nunca vou trocar as meias por vontade própria, nem parar de colocar besteira na lista de compras.
Minha mãe nunca vai entender meu armário desarrumado, minha gritaria no chuveiro, minhas cenas no celular.
Nem as batidas de porta pra chamar atenção.
Não adianta, ela sempre vai achar que é imaturidade, que essas atitudes são coisas de filho que não cresceu, e ainda vai pedir a Deus que um dia eu aprenda.
Minha mãe não sabe, mas eu tenho um medo absurdo de um dia deixar de ser filho.