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Maria Alice Guimarães

A MULHER DA MINHA VIDA
Ela foi a síntese de todas as mulheres que já conheci.
A mulher da minha vida.
É isso mesmo.
Não se tem só o “homem da vida”, mas também a “mulher”.
Permitam me falar dela que, mesmo sendo um afeto muito pessoal, quero que todos a conheçam.
A mulher que construiu meus alicerces e de toda sua descendência.
E ela ainda vive, basta procurá la nas mãos doceiras e no jeito especial de ser mãe e avó de Eloísa; no olhar meio que severo e na fidelidade trabalhadora de Diana; na firmeza geniosa de Eliana e, em mim, em tudo que consigo ser de melhor.
Impossível se igualar a ela.
Era e será sempre única, por isto imortal, feita de atitudes grandiosas e intransferíveis.
Uma guerreira que viveu quase um século com dignidade e coragem.
Comigo mais de quarenta anos de amparo, amor e doação.
Um exemplo de vida, Com ela todos se sentiam especiais.
Sabia validar cada um com a palavra certa.
De porte pequeno e magro, comia pouco, quase nada, mas produzia fartura com suas mãos calejadas pelo trabalho árduo de todos os dias, sem se queixar.
Depois que ela se foi nunca mais o pão teve gosto de erva doce, como o que ela fazia no forno à lenha, nem os doces cuidadosamente elaborados, sempre em fogo baixo para não queimar, ensinava ela.
Nossos filhos, seus bisnetos, todos foram enrolados em mantas de crochê tecidas cuidadosamente, ponto a ponto nas poucas horas que dispunha para descansar.
Tirava da terra quase tudo de que precisava para o sustento da grande família de quem era matriarca.
Tudo que vinha dela era repassado de amor, carinho e doação.
Poucas vezes a vi chorar.
Não queria nos atingir com a própria tristeza para que nada nos perturbasse.
Sentia se responsável por nós, como zeladora incansável.
E era.
Quando ficávamos doentes, com um simples chá de erva cidreira, um escalda pés e um paninho quente no lugar da dor, nos deixava curados, prontos para voltarmos às travessuras no dia seguinte, como num passe de mágica.
A magia da cura instantânea vinha do amor que colocava em tudo que fazia.
Na verdade era o poder do amor e da confiança que tínhamos que assim estava certo e pronto.
Quando penso nela como mulher, não consigo colocá la em nenhum parâmetro feminino que conheço.
Foi mulher de um homem só e muito jovem perdeu seu amado.
Falava dele e nos contava como era.
Sem saber preparou nossa memória para que um dia pudéssemos contar aos nossos descendentes de onde viemos.
Foi fiel à sua memória enquanto viveu.
Não conheceu a vaidade, era simples no trajar e na forma de pentear os cabelos presos à nuca, brancos e lisos.
Se eu ficar falando nela, na vida que viveu, da fortaleza sensível que era, de seu legado de amor, com certeza teria que escrever um livro com muitas e muitas páginas.
Acho que não conseguiria fazê lo.
Apenas quero homenagear esta mulher, que foi a mulher da minha vida e a sorte que tive em tê la ao meu lado.
É justo que dedique a ela a singeleza do meu primeiro livro, à vó Geca, que mesmo sabendo apenas desenhar seu nome foi minha primeira professora e me ensinou, numa antiga lousa que fora dela a muitos anos, como escrever letra por letra todo o alfabeto.
Vó, te dou de presente minhas “CONVERSAS DE DOMINGO”.
Maria Alice

PODEROSAS
Quem gosta de liberdade tem que aprender a conviver com a solitude.
Ela pode ser uma boa companheira.
Basta experimentar.
Vale a pena.
Diferente da solidão que carrega o estigma de ser triste, de ter cheiro de abandono, a solitude é amena e é uma opção pessoal, coisa de mulher moderna.
De mulher poderosa, como se diz por aí.
De todas as idades, mas principalmente as maduras, que já aprenderam as duras lições da vida, essas moças bonitas, charmosas e atraentes dirigem seu próprio carro comprado com o esforço de seu trabalho, viajam sozinhas, vão da cozinha ao cinema sem medo de ser feliz.
Tudo isto ostentando um belo sorriso emoldurado por uma boca pintada com batom vermelho.
Vestem roupas da moda, primam pela qualidade, abanam cabelos sedosos ao vento deixando atrás de si um rastro de perfume francês.
Pagam suas despesas com cartões de crédito que exibem nas mesas dos bares e restaurantes onde almoçaram, jantaram ou apenas tomaram uma cervejinha gelada.
Sem nenhum constrangimento por exporem ao mundo sua solitude.
Para essas sacerdotisas contemporâneas seu templo é o mundo e nele não há clausuras.
Não lhes falta amigos, familiares e namorados, mas preferem dividir a alegria de viver consigo próprias e com ninguém mais, como uma espécie de desagravo às suas ancestrais amordaçadas.
Nada de egoísmo, apenas usufruir daquela sensação gostosa de”sentir se donas de seu próprio nariz”.
Já foi se o tempo do “eu só vou se você for”.
E olha que não faz tanto tempo assim que mulher nem era cidadã, não votava, não tinha CPF nem carteira de motorista.
Fumar, então, era coisa de mulher dama (como eram chamadas as prostitutas).
Beber, só refrigerante, usar calças compridas um escândalo.
Tudo coisa do passado, graças a Deus.
Hoje já se pode dizer que as mulheres são livres, mesmo que ainda haja quem se preste a discordar.
Concordar ou discordar é de foro íntimo, individual.
O que importa é que a roda da vida girou e faz se necessário viver e fazer se feliz.
Correr riscos faz parte do processo.
Uma geração inteira de mulheres corajosas arriscou sua reputação para que se chegasse até aqui imunes aos falatórios maldosos de poucos anos atrás.
Mulher é fêmea da natureza; livre para voar e buscar o que achar melhor para o seu momento, fazer suas escolhas, trilhar sua estrada.
É preferível colidir com um muro de concreto do que não viver.