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Eliane Azevedo

Partidas
Tão estranha essa sensação de vazio, de se sentir perdida em algum lugar no meio desse mundo todo, que agora me parece infinitamente maior e sem sentido.
Tão difícil não ter mais para onde voltar, onde fugir, onde me esconder, onde me encolher.
Tão angustiante saber que não terei mais o colinho que me acolhia mesmo quando eu fazia as maiores besteiras na vida.
Tão ultrajante aceitar a derrota, quando tanto se lutou durante anos.
Tão doloroso ter a certeza que não irei mais encontrá lo a me esperar altas horas da noite, como se eu fosse uma adolescente inconseqüente que ainda necessitasse de mínimos cuidados e proteção.
Tão ironia do destino sentir na pele o mesmo que o senhor deve ter sentido todas as vezes em que me vira partir Quantas vezes, pai Quantas vezes o senhor ficou com o coração tão massacrado como está o meu agora Quantas vezes as lágrimas que corriam de seus olhos o impediram de ver a sua menininha partir para longe, sem data para voltar, ou mesmo sem saber se iria voltar Mas eu voltei, pai Eu voltei para sentir na pele tudo o que o senhor sentiu.
Eu voltei para estar a seu lado quando Deus decidisse que fosse a sua vez de viajar! E Ele decidiu a hora.
Foi com muita dor que o vi embarcar e partir, em meio a tanto sofrimento e desespero.
Doeu mais ainda ser capaz de entender que seu avião não teria mais qualquer possibilidade de voltar E a sua garotinha ficou aqui.
E vai continuar aqui, à janela do aeroporto.
Mas não posso prometer não crescer! Sem o senhor, talvez a vida me tire dos olhos a fragilidade da menininha que só encontrava conforto em seu abraço de pai.
Somente em seu abraço, meu querido e tão amado pai.

Eu sempre soube que príncipe encantado não existia.
Não, sempre não.
Na verdade, sou obrigada a confessar que já acreditei em contos de fadas.
Principalmente, aqueles que minha mãe lia ao pé da minha cama, que hoje percebo, eram interpretados sem que ela me fitasse os olhos.
Ela lia, e eu ali, ficava tentando imaginar as cenas, fantasiava, viajava, recriava, questionava, mas adormecia em paz.
Afinal, sempre tinham finais felizes.
Pensando bem, acho que aquele momento também era muito importante para ela.
Era o momento em que ela resgatava e fazia alguém acreditar no que ela acreditara um dia.
Mas, se nossos olhos se cruzassem, eu, mesmo em minha pouca idade, perceberia o apelo em seu olhar pra que não levasse tudo aquilo tão a sério.
Não.
Eu não estou desiludida.
O tempo foi passando, e eu mesma pude criar, recriar e desmitificar meus próprios contos de fadas.
Hoje, eu não espero mais um príncipe montado em seu cavalo branco, ou que me beije os lábios depois da bruxa má ter me feito comer uma maçã envenenada.
Hoje não perco mais horas de sono a imaginar castelos, jardins suspensos, magias e encantamentos.
Hoje eu apenas quero alguém que me cale a boca com um beijo quando meu silêncio grita e se torna um abismo intransponível entre dois seres que se amam.
Eu só quero alguém que compartilhe da minha vida, tente entender a minha alma inquieta, que sacie meu fogo quando estiver aceso, que o acenda quando estiver em brasa, que se deixe acender quando meu corpo se torna incendiário, e que fique assim, agarradinho a mim, até que meu coração volte ao compasso, e a minha respiração desacelere em um sono profundo, protegido pelo aconchego de um abraço que continua ali, bem ao alcance das minhas mãos.
Não precisa ser alguém que goste de tudo que eu gosto.
Eu só quero alguém que sinta prazer em estar ao meu lado, simplesmente por estar ao meu lado.
Seja na praia ou em uma cidade do interior, seja em uma boate ou em uma estrada deserta, seja no futebol ou naquele almoço de domingo na casa da avó.
Porque amar é isso.
É troca.
E troca é renúncia.
Não uma renúncia sofrida ou nociva, mas uma renúncia consciente e tranqüila, unicamente por saber que a pessoa amada está feliz.
É isso aí.
É isso que eu quero.
Alguém que brinque, que vibre, que sorri da vida, que brigue, que perdoa, que me faça perdoar, que desorganize o meu mundo, mas não volte a reorganizá lo somente no dia seguinte.
É isso que eu quero.
Alguém que não tenha medo de se apaixonar e que não se intimide com os ridículos do amor.
Não sou perfeita.
Não tenho pretensão de o ser.
Tenho em mim quase todas as qualidades do mundo, assim como quase todos os defeitos também, inclusive, a ingenuidade de querer ainda imaginar que tudo isso não se trata, da mesma forma, de um conto de fadas.
É que de vez em quando eu me recuso a crescer, e está me fazendo falta aquela época em que eu acreditava que "eles se casaram e viveram felizes para sempre"!