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Martha Medeiros

Lembranças Mal Lembradas
A maioria dos nossos tormentos não vem de fora, está alojada na nossa mente, cravada na nossa memória.
Nossa sanidade (ou insanidade) se deve basicamente à maneira como nossas lembranças são assimiladas.
"As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer".
Frase do psicanalista Adam Phillips, publicada no livro "O flerte".
Como é que não pensamos nisso antes O que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta no passado, estanca o tempo, não permite avanço.
A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente.
Aí, sim: lembrando como se deve, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer de mais nada.
E, não precisando, vai ver até esqueceremos.
Ah, se tudo fosse assim tão simples.
De qualquer maneira, já é um alento entender as razões que nos deixam tão obcecados, tristes, inquietos.
São as tais lembranças mal lembradas.
Você fez 5 anos, sonhava ganhar a primeira bicicleta, seu pai foi viajar e esqueceu.
Uma amiga íntima, que conhecia todos os seus segredos, roubou seu namorado.
Sua mãe é fria, distante, e percebe se que ela prefere disparadamente sua irmã mais nova.
E aquele amor Quanta mágoa, quanta decepção, quanto tempo investido à toa, e você não esquece passaram se anos e você, droga, não esquece.
Essas situações viram lembranças, e essas lembranças vão se infiltrando e ganhando forma, força e tamanho, e daqui a pouco nem sabemos mais se elas seguem condizentes com o fato ocorrido ou se evoluíram para algo completamente alheio à realidade.
Nossa percepção nunca é 100% confiável.
O menino de 5 anos superdimensionou uma ausência que foi emergencial, não proposital.
Você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga surrupiou (aliás, eles estão casados até hoje, não foi um capricho dela).
Sua mãe tratava as filhas de modo diferenciado porque cada filho é de um modo, cada um exige uma demanda de carinho e atenção diferente, o dia que você tiver filhos vai entender que isso não é desamor.
E aquele cara perturba seu sono até hoje porque você segue idealizando o sujeito, recusa se a acreditar que o amor vem e passa.
Tudo parecia tão perfeito, ele era o tal príncipe do cavalo branco sem tirar nem pôr.
Ajuste o foco: o coitado foi apenas o ser humano que cruzou sua vida quando você estava num momento de carência extrema.
Libere o desta fatura.
São exemplos simplistas e inventados, não sou do ramo.
Mas Adam Philips é, e me parece que ele tem razão.
Nossas lembranças do passado precisam de eixo, correção de rota, dimensão exata, avaliação fria pena que nada disso seja fácil.
Costumamos lembrar com fúria, saudade, vergonha, lembramos com gosto pelo épico e pelo exagero.
Sorte de quem lembra direito.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.