Nasci em 83
sou cria da enchente
aprendi a nadar na vida
boiar se for necessário
Olha que muitas vezes
como disse o profeta,
"águas que me tocam os artelhos"
mas eu continuo a andar
Nasci em 83
brinquei de elástico,
abracei um boneco de plástico,
aprendi a cirandar,
cheirar parede sem criar caso
E olha que muitas vezes
como disse Ezequiel,
"águas que me dão pelos joelhos"
e eu continuo a marchar
Nasci em 83
usei anel de chiclete,
(escondido do pai)
aprendi a cantar inglês errado,
improvisar se for o caso
E olha que muitas vezes
como disse o profeta,
"águas que me dão pelos lombos"
mas eu continuo a me arrastar
Nasci em 83
me apaixonei por Jaspion,
fui mal influenciada por Alf,
aprendi a brincar de correr,
esfolar os joelhos com frequência
E olha que muitas vezes
como disse Ezequiel,
"águas que se deve passar a nado"
mas mesmo nadando eu passo
Nasci em 83
brinquei com panelas de barro,
aprendi a correr de vacas,
pular cercas se for o único escape
E olha que muitas vezes
como disse o profeta,
"rio pelo qual não se pode passar"
mas eu flutuo, e passo
Nasci em 83
sou cria da enchente
faço barco de papel,
acredito em profetas,
não me deixo afogar.
E se as aguas inundam meu caminho
eu aprendo a mergulhar.