VIDA QUITADA
Vivo de fato.
Não espero a morte.
Creio ter explicado, embora vá fazê lo de novo, que a minha vida é preciosa.
Tenho cada momento como nova pepita garimpada no percurso de minhas paixões.
De meus sonhos projetados para o futuro.
De minha crença na existência desse futuro, ainda que ele não passe do dia seguinte.
Não há pedra na vesícula, ou no rim, que possa diminuir o valor da pedra preciosa que há no meio do percurso Do meu percurso.
O sentido que dou a cada dia vai muito além das conquistas materiais, embora também as valorize, decididamente bem menos do que às conquistas de afetos, saberes e culturas.
Viver bem, no meu caso, tem pouco a ver com os bens acumuláveis ao longo da existência.
Confesso que nunca lutei por casa, carro, fama, influência, cargos destacados no emprego e na sociedade.
Até mesmo como escritor, nunca enviei calhamaços, livros demo, endereço pessoal de blog ou algo parecido para editoras, visando contratos.
Percorri meus caminhos do meu jeito, com as dificuldades próprias de quem escolhe caminhar, e por isso demorei tanto a parir livros.
Sou realizado como escritor de pouca fama e educador apaixonado.
Sobretudo como pai de Nathalia e Júlia, irmão de oito pessoas amadas com as quais partilhei a mãe dos sonhos de qualquer filho, e como amigo de pessoas também especiais.
Eis minha realização pessoal.
A de um homem que chamam de acomodado, mas que na verdade é muito ambicioso, pois deseja (e tem com fartura) o que nunca será comprável.
Se hoje não temo a morte, é porque minha vida está quitada.
Já estou em paz comigo, errei tudo o que pude, consertei o que deu, fiz minhas escolhas certas e erradas, paguei por estas outras e tive por aquelas as recompensas de praxe.
Fui criança na idade certa, fiquei maduro na maturidade, agora caminho rumo à velhice, tendo na mente um conceito enxuto e sereno da mesma, para não ser, equivocadamente, um triste velho de alma jovem.